Todos sabemos que o tabaco é responsável por inúmeros danos na nossa saúde, desde o aumento da probabilidade de virmos a sofrer de vários tipos de cancro a um acidente vascular cerebral (AVC). Como tal, parar de fumar traz muitos benefícios para a nossa saúde, mas muitas vezes não é fácil conseguir fazê-lo.
A cessação tabágica não é efetivamente, na maior parte dos casos, uma tarefa fácil e por essa razão é que o papel do profissional de saúde se torna fulcral neste processo.
Por que é que o tabaco é viciante?
Quando falamos de dependência do tabaco, é importante distinguir a dependência fisiológica da dependência psicológica.
O tabaco apresenta um vasto número de substâncias potencialmente nocivas para a saúde, sendo que a nicotina é a substância que cria maior dependência no nosso organismo. A nicotina tem efeito sobre o Sistema Nervoso Central, gerando a libertação de neurotransmissores que estimulam a sensação de prazer (a dopamina e a noradrenalina) e o nosso sistema de recompensa, responsáveis pelo efeito relaxante do tabaco. Este efeito é especialmente forte porque a nicotina atinge os recetores cerebrais muito rapidamente (cerca de 10 segundos após a inalação), sendo que quanto mais rápido se dá esta receção, maior é o potencial para dependência. Com o seu uso continuado o nosso cérebro começa a adaptar-se à nicotina e esta deixa de surtir o efeito desejado, pelo que é necessário inalar cada vez mais quantidade para obter este efeito de relaxamento e começam a surgir sintomas de abstinência caso não se fume. E assim que se processa o circuito de dependência física.
Relativamente à dependência psicológica, há que compreender que esta funciona por condicionamento. Ou seja, os rituais que vão sendo desenvolvidos relacionados com o ato de fumar (p.e. fumar um cigarro depois de beber café, fazer pausas para fumar durante o dia de trabalho) associam-se a este hábito e acabam por funcionar como “gatilhos” para a necessidade de fumar. Assim, mesmo que o organismo esteja livre de nicotina e os sintomas de abstinência tenham passado, a pessoa pode sentir desejo de fumar nas situações em que habitualmente o fazia, o que dificulta a manutenção da abstinência.
Esta distinção entre dependência física e psicológica ajuda-nos a compreender por que razão não basta deixar de fumar e de experimentar os sintomas de abstinência para assegurar que não há recaída. Para se conseguir cessar o consumo tabágico com sucesso é necessário alterar rotinas e cognições, algo que nem sempre é fácil e que implica bastante motivação por parte do fumador.
Quais são os sintomas de abstinência?
Quando se para de fumar é comum experimentar sintomas de abstinência, que podem dificultar a paragem e fazer com que o fumador recaia. Os principais sintomas de abstinência de nicotina são:
- Irritabilidade;
- Ansiedade;
- Dificuldade de concentração;
- Aumento do apetite;
- Inquietação / nervosismo;
- Tristeza;
- Insónia.
Estes sintomas podem aparecer até 24 horas depois de parar de fumar e prolongar-se durante algumas semanas e resultam da readaptação do nosso organismo, que se está a habituar a funcionar sem nicotina. No entanto, é possível que mesmo após a readaptação do organismo ocorram recaídas, pelo que é necessário ter em conta os fatores psicológicos e sociais que estão envolvidos na cessação tabágica.
Qual o papel da Psicologia na cessação tabágica?
Uma vez que a dependência de tabaco é uma doença crónica, requer tratamento e aconselhamento adequado. Este tratamento passa, muitas vezes, por intervenções multidisciplinares, em que se combina a farmacoterapia com estratégias comportamentais e aconselhamento. Caso seja feita esta combinação de intervenções, a probabilidade de sucesso é 3 vezes maior do que em casos em que não haja nenhuma ajuda especializada. Além do mais, existe também evidência de que a intervenção psicológica por si só tem maior taxa de sucesso na cessação tabágica do que a intervenção farmacológica isolada.
Em primeiro lugar, é necessário compreender a motivação do fumador para parar de fumar. O psicólogo pode ajudá-lo a compreender em que estádio da motivação para a mudança se encontra e adaptar a sua intervenção para cada estádio. Os estádios de motivação para a mudança são os seguintes:
- Pré-contemplação: nesta fase, o fumador não tem intenção de deixar de fumar e muitas vezes adota uma postura defensiva. Isto pode ocorrer por inconsciência das consequências negativas para a saúde, desmotivação ou crenças negativas sobre a sua capacidade para alterar o seu comportamento;
- Contemplação: nesta fase o fumador está numa posição ambivalente, na qual quer parar de fumar mas tem dúvidas em relação aos prós e contras desse ato e, eventualmente, acerca da sua capacidade de autocontrolo;
- Preparação: nesta fase o fumador já realiza tentativas para alterar o seu comportamento a curto prazo e pode já ter tentado parar de fumar durante o ano anterior;
- Ação: esta é a fase na qual a pessoa já conseguiu parar de fumar e se mantém abstinente durante pelo menos 6 meses;
- Manutenção: fase na qual a pessoa já deixou de fumar há pelo menos 6 meses e mantém esse comportamento.
Assim, como se percebe pelas diferenças entre os diversos estádios da motivação para a mudança, não faz sentido que se utilizem as mesmas estratégias para todos os fumadores de forma indiscriminada.
Nas fases iniciais, de pré-contemplação e contemplação, são necessárias intervenções que ajudem a criar dissonância em relação ao comportamento de fumar. Neste sentido, a entrevista motivacional é a técnica a utilizar. Com empatia e apoio, procura-se aumentar a motivação para a mudança através do confronto entre os comportamentos atuais e os valores e objetivos pessoais da pessoa e reformulação de crenças relativas à autoeficácia da pessoa (ou seja, a medida em que acredita na sua capacidade para alterar o seu comportamento e parar de fumar).
Quando nos referimos às fases de preparação e ação, o mais indicado são intervenções comportamentais através aconselhamento psicológico. Estas intervenções procuram ajudar o fumador a estabelecer objetivos, construir motivação para o processo, reconhecer situações e estados emocionais de risco, desenvolver competências de resolução de problemas e tomada de decisão e estratégias de relaxamento. São também treinadas competências de coping cognitivo e comportamental com o intuito de ajudar a pessoa a ultrapassar as situações de maior risco.
Na fase de manutenção, o psicólogo pode auxiliar na aquisição de competências de prevenção da recaída. Também após uma eventual recaída o aconselhamento psicológico pode ser importante, ajudando a pessoa a enquadrar a mesma como uma fase do processo, com a qual se pode aprender e melhorar no futuro.
Estas intervenções podem ser realizadas individualmente ou em grupo, sendo que o grupo tem a vantagem de proporcionar apoio social por parte de pessoas que estão a passar pelas mesmas dificuldades. Isto é importante uma vez que a dependência de tabaco é influenciada por fatores sociais, que devem ser considerados ao longo da intervenção. Uma rede de suporte que ajude a pessoa a parar de fumar é um fator facilitador neste processo.
Em suma, o psicólogo, através da utilização de diferentes técnicas, pode ajudar a pessoa a manter a motivação para a cessação tabágica, reformular as suas crenças sobre a utilização de tabaco, desenvolver estratégias para lidar com o craving e prevenir uma recaída, tendo em conta os fatores cognitivos, comportamentais e sociais que estão envolvidos na utilização de tabaco. O processo de cessação tabágica não é fácil, mas é essencial para uma vida mais saudável, para si e para os outros.
Peça ajuda de técnicos especializados para o acompanharem durante este desafio!