A depressão, nos seus vários tipos, caracteriza-se, de maneira geral, como uma patologia em que se encontram presentes sentimentos de tristeza profunda e persistente no tempo, vazio, sensação de cansaço e falta de interesse nas atividades.
O impacto dos sintomas varia de acordo com a sua gravidade (ligeira, moderada ou grave) e a sua duração, mas sabe-se, atualmente, que a depressão é a doença que mais contribui para as mortes por suicídio e a que mais provoca incapacidade na atividade produtiva. As consequências nos contextos familiares, sociais e profissionais são, por vezes, devastadoras.
A depressão é, muitas vezes, uma doença silenciosa, onde o apoio profissional, familiar e social são fundamentais para uma boa recuperação.
Compreender a depressão ajudará a preveni-la e a diminuir o estigma que frequentemente impede que a pessoa peça ajuda.
Quem pode ser afetado pela depressão?
A depressão pode atingir qualquer pessoa, de qualquer idade e sexo, embora exista uma maior prevalência no sexo feminino (mulheres). Tal como acontece com outras patologias mentais, as crianças podem também sofrer de depressão (depressão infantil), ainda que os sinais e os sintomas possam ser distintos dos sinais dos adultos, sendo o humor irritável um dos sinais de que algo não se encontra bem com o/a menor.
Embora qualquer pessoa esteja sujeita a desenvolver depressão, existem alguns fatores de risco que potenciam o seu aparecimento, como a situação económica desfavorável, desemprego, acontecimentos de vida (morte de um ente querido, rutura de um relacionamento, pós-parto...) ou até a ocorrência de doenças físicas. No caso de alguns tipos de depressão, como a perturbação depressiva major, pode existir uma predisposição genética / hereditariedade, sendo que os familiares de primeiro grau de pessoas com este tipo de patologia possuem um risco 2 a 4 vezes maior quando comparados com a população geral.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as perturbações depressivas correspondem a um dos principais problemas de saúde mental a nível mundial, estimando-se que existam cerca de 300 milhões de pessoas a sofrer desta patologia.
Depressão e tristeza – o que as distingue?
Os conceitos de depressão e tristeza são frequentemente confundidos, sendo o termo depressão muitas vezes utilizado quando alguém se encontra triste. Embora a depressão inclua um estado de elevada tristeza, estar triste não significa estar deprimido.
A tristeza é um estado emocional normativo, uma resposta a uma situação desagradável. A tristeza geralmente dura algumas horas ou dias e não interfere de forma clinicamente significativa na vida da pessoa. Todos nós já experienciamos tristeza em algum momento da nossa vida e é expectável que assim o seja.
A depressão, por outro lado, é uma doença, e implica que os sintomas sejam constantes por várias semanas e influenciem o funcionamento adaptativo do sujeito. A depressão afeta os nossos pensamentos, sentimentos, comportamentos e perceções. Esta patologia extrai a vontade de viver, é sentida de forma recorrente e requer tratamento. Quanto mais cedo a intervenção for iniciada, melhor será o seu prognóstico.
Tipos e Sintomas da depressão
De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-V), na categoria das perturbações depressivas podemos incluir:
- Perturbação de desregulação do humor disruptivo;
- Perturbação depressiva major;
- Perturbação depressiva persistente (distimia);
- Perturbação disfórica pré-menstrual;
- Perturbação depressiva induzida por substância/medicamento;
- Perturbação depressiva devida a outra condição médica;
- Perturbação depressiva com outra especificação;
- Perturbação depressiva não especificada.
Estas perturbações têm em comum a presença de sentimentos de tristeza, vazio ou humor irritável e alterações somáticas e cognitivas. Todas elas interferem no funcionamento da pessoa e diferem entre si ao nível da duração, timing ou etiologia (origem).
Dentro da categoria de perturbações depressivas, a que é considerada como "a clássica” é a perturbação depressiva major e a forma crónica de depressão corresponde à perturbação depressiva persistente (distimia). Assim sendo, apresentamos de seguida cada uma delas com maior detalhe.
1. Perturbação depressiva major
Para esta perturbação ser diagnosticada devem estar presentes pelo menos 5 dos seguintes sintomas, durante pelo menos 2 semanas consecutivas, sendo que tem de estar presente (1) humor deprimido ou (2) perda de interesse ou prazer:
- Humor deprimido durante a maior parte do dia, quase todos os dias;
- Diminuição do interesse ou prazer em todas, ou quase todas, as atividades durante a maior parte do dia, quase todos os dias;
- Perda de peso, não estando a fazer dieta, ou aumento de peso significativos ou diminuição ou aumento do apetite quase todos os dias;
- Insónia ou hipersónia quase todos os dias;
- Agitação ou lentificação psicomotoras quase todos os dias;
- Fadiga ou perda de energia quase todos os dias;
- Sentimentos de desvalorização ou culpa excessiva ou inapropriada quase todos os dias;
- Diminuição da capacidade de pensar ou de concentração, ou indecisão, quase todos os dias;
- Pensamentos de morte recorrentes, ideação suicida recorrente sem plano específico ou tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio.
2. Perturbação depressiva persistente (distimia)
Neste tipo de depressão existe um humor depressivo durante a maior parte do dia, mais de metade dos dias, durante pelo menos 2 anos (ou humor irritável durante pelo menos 1 ano no caso de crianças e adolescentes).
Para além deste humor depressivo, devem estar presentes pelo menos 2 dos seguintes sintomas:
- Apetite diminuído ou aumentado;
- Insónia ou hipersónia;
- Baixa energia ou fadiga;
- Baixa autoestima;
- Falta de concentração ou dificuldade em tomar decisões;
- Sentimentos de desesperança.
Para além destes sintomas, para se realizar o diagnóstico desta perturbação o humor depressivo e os sintomas anteriores têm de nunca ter estado ausentes por mais de 2 meses consecutivos.
Causas da depressão
A depressão pode ser causada por estímulos endógenos (relacionados com o próprio indivíduo) ou por estímulos exógenos (relacionados com as diversas circunstâncias adversas que rodeiam o indivíduo), podendo ser considerada como uma patologia biopsicossocial. Existem, efetivamente, alguns fatores que são considerados como de risco e podem influenciar o prognóstico da evolução e tratamento da doença, nomeadamente fatores de risco temperamentais, ambientais, genéticos e fisiológicos e modificadores de curso.
Os fatores de risco temperamentais dizem respeito às caraterísticas psicológicas da pessoa. Pessoas que apresentam níveis elevados de neuroticismo (afetividade negativa) encontram-se mais suscetíveis a desenvolver episódios depressivos como resposta às situações adversas da vida.
Os fatores de risco ambientais relacionam-se com as experiências adversas ou potencialmente traumáticas, sejam na infância ou na idade adulta. Estas experiências negativas parecem potenciar o aparecimento de depressão.
Os fatores genéticos e fisiológicos remetem-nos para o fator da hereditariedade e para a questão neurobiológica. Sabe-se que os familiares de primeiro grau de indivíduos com depressão possuem 2 a 4 vezes mais probabilidade de desenvolver, igualmente, a doença. Adicionalmente, quando no nosso cérebro existe um desequilíbrio na produção de neurotransmissores como noradrenalina, serotonina e dopamina (responsáveis pela sensação de bem estar e motivação) a probabilidade do desenvolvimento de depressão aumenta.
Outras condições médicas podem ainda modificar o curso de uma perturbação depressiva, fazendo com que ela seja tardiamente diagnosticada, por exemplo, ou potenciando o seu desenvolvimento. Indivíduos que possuem outras patologias associadas, principalmente doenças crónicas e/ou incapacitantes, apresentam um risco mais acentuado ao nível da severidade da depressão, quando comparados com pessoas medicamente saudáveis.
Cada pessoa é única e é fundamental explorar a anamnese (história de vida) do indivíduo para ser possível intervir adequadamente.
Severidade da depressão
Uma perturbação depressiva pode variar, mediante o número de sintomas, a sua intensidade e o impacto destes ao nível do funcionamento da pessoa, consoante 3 graus de gravidade:
- Ligeiro – presença de poucos sintomas, ou nenhum, para além do mínimo requerido para a realização do diagnóstico. A pessoa com perturbação depressiva de grau ligeiro consegue gerir minimamente o seu mal estar, sendo os défices no funcionamento social ou ocupacional considerados como menores.
- Moderado – o número de sintomas presentes, a sua intensidade e o défice provocado no funcionamento social ou ocupacional estão entre os especificados para o grau de ligeiro e o grau de grave.
- Grave – a quantidade de sintomas excede substancialmente o número mínimo requerido para se efetuar o diagnóstico. A pessoa que sofre com uma perturbação depressiva de grau grave não consegue gerir o mal estar elevado que sente e os sintomas que vivencia interferem com o seu funcionamento social e o seu funcionamento ocupacional.
Tal como o diagnóstico em si, a gravidade da perturbação deve também ser avaliada por um profissional, mediante as queixas da pessoa.
A depressão pode ser altamente incapacitante. De acordo com a OMS, esta doença representa, a nível mundial, cerca de 10% dos Anos Vividos com Incapacidade (YLD – Years Lived with Disability).
Complicações / consequências da depressão
A saúde física e a saúde mental relacionam-se intimamente, influenciando-se mutuamente. Como complicações da depressão podemos destacar:
- Risco mais elevado de desenvolver outras doenças ? dados recentes indicam que a depressão aumenta risco de doenças como diabetes e doenças cardiovasculares, sendo que estas, por sua vez, elevam também o risco de depressão. O próprio sistema imunitário fica enfraquecido, existindo um maior risco de desenvolver infeções e outras doenças.
- Queixas somáticas (dores de cabeça, dores abdominais, dores nas articulações ou em outras partes do corpo...);
- Problemas relacionais que vão afetar os diversos contextos de vida (familiares, profissionais e sociais);
- Problemas financeiros;
- Alterações no desejo ou interesse sexual;
- Risco mais acentuado de desenvolver perturbações de ansiedade e perturbações de abuso de substâncias / dependências (o uso de substâncias pode inicialmente servir para evitar o sofrimento causado pela depressão o que rapidamente conduz a pessoa a um ciclo vicioso com consequências extremamente nefastas);
- Risco mais elevado de suicídio. A morte é encarada pela pessoa como o término de um estado emocional demasiado doloroso e as tentativas de suicídio potenciadas pela incapacidade de antever qualquer tipo de prazer futuro e pela vontade de não se tornar num peso para terceiros. A depressão corresponde à principal causa de suicídio, que por sua vez consiste na segunda principal causa de morte em jovens entre os 15 e os 29 anos.
Diagnóstico da depressão
O diagnóstico de perturbação depressiva pode ser obtido através da recolha de uma boa anamnese (história de vida) da pessoa e recolha os sintomas relatados pelo próprio e observados por terceiros (profissional, familiares...). Paralelamente, podem ser realizados testes psicológicos para auxiliar o processo e, ainda, despistar outras patologias.
O diagnóstico deve ser sempre realizado por um/a profissional de saúde, preferencialmente da área da saúde mental (psicólogo/a ou psiquiatra). À semelhança do que acontece com outras doenças mentais, é importante efetuar-se um diagnóstico diferencial, tendo em consideração que para além de existirem vários tipos de depressão, as perturbações depressivas podem ser confundidas, ou até ocorrer juntamente (comorbilidade), com outras patologias do foro físico ou mental, como o caso das perturbações de ansiedade.
Saiba, aqui, tudo sobre perturbações de ansiedade.
Tratamento da depressão
A depressão, nos seus vários tipos, pode provocar consequências sérias no funcionamento psicológico, físico, social e profissional da pessoa. Contudo, o tratamento existe e quanto mais cedo ele for iniciado melhor será o prognóstico.
O principal tratamento para a depressão consiste na intervenção psicoterapêutica. É importante que a pessoa compreenda o que se está a passar consigo, os fatores que podem ter desencadeado a doença ou que tenham feito com que ela se manifestasse de forma mais evidente. Através da psicoterapia, ou acompanhamento psicológico, a pessoa sentir-se-á mais compreendida e trabalhará estratégias adequadas ao seu caso, motivando a resolução de problemas e o fortalecimento de suporte social.
Em certos casos, em que os sintomas se assumem como moderadamente ou extremamente incapacitantes, deve ser equacionada a terapia farmacológica, nomeadamente o uso de antidepressivos (mediante prescrição médica). No entanto, é importante realçar que a medicação não trata o problema, apenas atenua os sintomas. Para que a pessoa consiga efetivamente assumir novamente o controlo da sua vida e melhorar o seu bem estar físico e psicológico é necessário que a medicação seja acompanhada de psicoterapia, existindo, desta forma, o recurso a terapia combinada (psicoterapia + psicofarmacologia).
Devido ao estigma associado à depressão – que impede frequentemente que a pessoa peça ajuda – e ao facto de esta doença por vezes ser confundida com outras situações e não ser devidamente diagnosticada, origina que, de acordo com a OMS, somente 50% das pessoas com depressão beneficiem de tratamento. Especificamente em Portugal, dados da DGS indicam que só 35% das pessoas com depressão beneficiou de tratamento no primeiro ano de surgimento dos sintomas.
É, por estes motivos, importante compreender que a depressão é uma doença, que pode afetar qualquer pessoa, existem formas de a prevenir e o tratamento é, absolutamente, essencial quando ela se desenvolve.
Pedir ajuda é sinal de coragem. Um/a profissional pode ajudar!
Estratégias para prevenir / lidar com a depressão
A depressão pode afetar qualquer pessoa, contudo cada um de nós tem o poder de adotar certas estratégias para prevenir o seu aparecimento. Quando a pessoa já sofre de depressão é importante que seja devidamente acompanhada com psicoterapia e, nos casos em que assim se justifica, com terapia combinada (psicoterapia + medicação). No entanto, também nestes casos as seguintes dicas podem ser colocadas em prática (nota: fale com o/a seu/sua psicólogo/a antes de adotar estas estratégias):
- Tente começar (ou continuar) atividades que lhe proporcionem (ou anteriormente lhe proporcionavam) prazer;
- Tente manter um sono regular, com horários de adormecer e de despertar relativamente constantes;
- Tente, dentro do possível, manter-se ativo/a, realizando atividades físicas que se adequem às suas caraterísticas e que o/a cativem. A prática de yoga, por exemplo, tem vindo a ser associada a melhorias nos sintomas de depressão, quando combinada com psicoterapia.
- Tente comer regularmente, apesar das suas alterações de apetite;
- Não se isole! Tente dedicar parte do seu tempo a família e amigos/as;
- Tente participar em atividades em atividades da sua comunidade;
- Foque-se no que o seu dia teve de positivo;
- Crie um momento diário de reflexão e relaxamento. A prática de exercícios de relaxamento e de meditação tem vindo a ser associada a melhorias nos sintomas de depressão, devendo estes ser combinados com psicoterapia;
- O défice de algumas substâncias tem vindo a ser associado à depressão, principalmente ao nível das vitaminas do complexo b, de ómega 3 e dos neurotransmissores serotonina e noradrenalina. Para tentar compensar estes défices pode optar por alguns alimentos, como por exemplo:
- Alimentos ricos em ómega 3: como salmão, atum, frutos secos...;
- Alimentos que contenham vitaminas do complexo b: arroz e pão integral, aveia, espinafres, ovos...;
- Alimentos ricos que promovam serotonina e dopamina: chocolate negro (cacau), banana, nozes, peru, frango, soja e derivados...
- Evite o consumo excessivo de bebidas alcoólicas;
- Quando não se sentir bem, procure ajuda. Não esconda ou ignore o que está a sentir. Um/a profissional pode ajudar!