As perturbações de dor sexual são disfunções sexuais relacionadas com a ocorrência de dor relacionada à resposta sexual humana, comprometendo-a ou pondo em causa a obtenção de prazer na mesma e tendo como consequência o evitamento das relações sexuais coitais por medo de experienciar dor.
Na versão da DSM-IV (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais), nesta categoria incluíam-se duas perturbações: a dispareunia e o vaginismo.
A dispareunia caracterizava-se pela existência de dor associada à relação sexual (no seu antes, durante ou depois), podendo ocorrer tanto em homens como em mulheres.
Por outro lado, o vaginismo, só diagnosticável nas mulheres, caracterizava-se pela contração involuntária dos músculos vaginais, resultando num impedimento da penetração ou em dor associada à mesma e manifestando-se através de espasmos involuntários dos músculos que constituem o terço externo da vagina aquando das tentativas de penetração.
Contudo, devido às dificuldades que se verificavam em distinguir as duas classificações no caso das mulheres, e também por serem muito mais frequentes nas mulheres do que nos homens, a versão atual da DMS (DSM-V) deixa usar esta classificação para passar a adotar o termo Disfunção de Dor Génito-pélvica / Penetração. Nesta categoria incluem-se os dois diagnósticos anteriores, embora já não sejam assim classificados e, de acordo com a DSM-V, existem quatro dimensões comuns a ambos, nomeadamente: a dificuldade em ter relações sexuais, a existência de dor génito-pélvica, o medo da dor ou da penetração vaginal e a tensão nos músculos do pavimento pélvico.
Como se manifestam estas perturbações?
A dor sexual pode acontecer mediante a expectativa de ter relações sexuais, pelo que pode ocorrer antes da relação sexual em si, durante a penetração e ainda após o termo da relação coital, por exemplo, ao urinar.
A dificuldade em manter relações sexuais vaginais coitais é marcada e pode ir desde a total impossibilidade de penetração (por contração dos músculos vaginais), seja pelo pénis ou por outros objetos, tais como um tampão menstrual, à existência intermitente de dor, sendo possível ter dor em algumas relações e não a experienciar noutras. O mais frequente é a existência de dor aquando da penetração pelo parceiro.
A dor pode ser uma dor sentida na vulva ou na vagina durante a penetração, ou pode ser sentida a um nível mais profundo, a nível pélvico, só sentida quando existe penetração mais profunda. A dor pode ainda variar muito em intensidade e naquilo que é necessário acontecer para a desencadear, sendo possível acontecer espontaneamente ou apenas sob estimulação da zona génito-pélvica.
Por outro lado, a dor sentida pode ser experimentada com sensações diferentes, sendo que há mulheres que a sentem como se fossem cortes, queimaduras, pancadas ou tiros.
A tensão muscular da vagina e pavimento pélvico e os seus espasmos ou contrações involuntárias também varia muito em intensidade e manifestações, sendo habitual que a penetração seja possível mediante o relaxamento.
Nestas disfunções sexuais, o que acontece mais frequentemente é o evitamento das relações sexuais, com o intuito de evitar a dor associada à penetração. Isto traz inevitavelmente grande prejuízo à vivência de uma vida sexual prazerosa e plena, bem como conflitos a nível conjugal, que por sua vez, potenciam a sua manifestação.
Por todos estes motivos, estas perturbações encontram-se, muitas vezes, associadas a outras disfunções sexuais, relacionadas com a falta de líbido ou de desejo sexual, embora este possa existir em interações sexuais que não envolvam a penetração, e mesmo assim, as pessoas que sofrem de perturbações de dor sexual tendem a evitar as relações sexuais, bem como exames médicos do foro ginecológico, com todas as implicações que este evitamento poderá acarretar em termos de saúde sexual e reprodutiva, podendo mesmo afetar a conceção.
Quem é mais propenso a sofrer de dor sexual?
Desta forma, ficam excluídos os homens desta nova classificação, que já não fala em dispareunia, apesar de uma minoria poder experienciar dor genital durante o coito, agora classificada como disfunção sexual inespecífica. E claro está que isso não significa que não seja imperativo procurar ajuda ou tratamento.
De facto, estas perturbações são bastante mais frequentes nas mulheres, o que está relacionado não só com fatores da anatomia genital feminina, mas também devido a questões culturais, educacionais e de género, que influenciam e, muitas vezes, limitam a forma como as mulheres vivenciam a sua sexualidade.
Quais as causas das Perturbações de Dor Sexual?
Há vários fatores que predispõem para a ocorrência das perturbações de dor sexual, nomeadamente:
- Fatores físicos ou orgânicos desempenham um papel preponderante na etiologia destas perturbações, nomeadamente os anatómicos, patológicos e iatrogénicos. A nível anatómico, podem existir malformações genitais que tornem o coito doloroso. A nível patológico, podem existir doenças agudas ou crónicas, tais como as infeções urinárias, que contribuem para a dor. A nível iatrogénico, os efeitos secundários de medicação ou os efeitos de uma intervenção médica, como por exemplo a episiotomia;
- Fatores educacionais e culturais: as crenças erradas, a falta de informação e a atitude negativa face à vivência da sexualidade feminina, que trazem consigo a experiência de culpa e vergonha, predispõem a mulher para ser mais vulnerável a este tipo de disfunção sexual, por considerarem o sexo como algo negativo, pecaminoso ou errado. Podemos ainda incluir aqui a educação recebida no ambiente familiar, mais concretamente os estilos parentais face à sexualidade e o seu modelo de educação sexual e ainda as crenças de foro religioso, que podem contribuir para a construção de uma atitude negativa face ao sexo;
- Experiências prévias de dor pélvico-genital, que pode estar relacionada com traumas na realização de exames médicos, por exemplo, ou pela existência de relações sexuais prévias violentas ou traumáticas, como por exemplo, ter sido vítima de abuso sexual ou ter observado o abuso sexual de outrem;
- Fatores relacionais, tais como vivenciar uma relação abusiva ou violência doméstica, ou mesmo a existência de stressores multivariados na vida do casal e ainda o desempenho do parceiro, associado a crenças que tem sobre o que deve ser uma relação sexual e de que forma a mulher obtém prazer na relação, que podem fazer com que invista apenas no coito, dispensando preliminares e estimulação do clítoris, principal órgão genital feminino envolvido na obtenção de prazer sexual. Por outro lado, os fatores relacionais podem dizer respeito também a uma relação onde há falta de comunicação ou grandes diferenças ao nível do desejo sexual de cada elemento do casal;
- Fatores individuais, onde se podem incluir as experiências prévias já mencionadas e ainda as questões da imagem corporal, mais concretamente, a forma como a mulher se relaciona com o seu corpo, ou ainda ter perturbações do foro psiquiátrico, ou stressores a intervir ativamente na sua vida, como um luto ou uma situação de desemprego, por exemplo.
Evolução e Prevalência das Perturbações de Dor Sexual
A evolução destas perturbações não é clara, devido ao facto de as mulheres evitarem procurar um tratamento até ao momento em que começa efetivamente a interferir negativamente na sua vida sexual ou na questão da concretização de uma gravidez. Apesar de poder ser difícil suspeitar destas perturbações antes de iniciar a vida sexual ativa, há pequenos sinais que podem ser levados em consideração, como por exemplo, a dificuldade em colocar um tampão menstrual, para motivar a procura de ajuda clínica precoce. Ficar atenta é muito importante, pois é sabido que após os seis meses de sintomatologia ativa, será mais difícil a regressão da perturbação sem haver intervenção terapêutica.
Sabe-se ainda que as queixas de dor atingem os seus picos no início da vida adulta, após a menstruação, no período pré-menopausa e no pós-parto.
O prognóstico será agravado caso haja abuso sexual ou físico, vulnerabilidade a infeções vaginais e dificuldades em inserir tampões menstruais – estes são fatores preditores de prognóstico negativo em termos de evolução da perturbação de dor.
Os estudos acerca da prevalência das disfunções sexuais escasseiam e apresentam pouco consenso, devido aos diferentes métodos de investigação e sistemas de classificação que utilizam; segundo o estudo National Social and Health Life (Laumann et al 1999), cerca de 10% a 15 % de mulheres nos EUA sofriam de dor antes, durante ou após as relações sexuais. É também referenciado na comunidade científica que as queixas de experienciar dificuldades ao nível das relações sexuais é bastante comum em termos clínicos.
Quando deve procurar ajuda?
Deverá procurar ajuda quando a dor experienciada associada às relações sexuais persistir por um período de pelo menos seis meses e quando a experiência da dor causar mal-estar acentuado e/ou evitamento ou mesmo abstinência sexual e ainda se tiver dificuldade em conceber por evitar ter relações sexuais coitais.
Tratamento das Perturbações de Dor Sexual
O tratamento destas perturbações pode assentar em:
- Intervenção Psicológica, baseada no Modelo PLISSIT, em terapias cognitivo-comportamentais baseadas em Mindfulness e estratégias de relaxamento e de dessensibilização sistemática;
- Terapia Sexual, baseada no Modelo de Masters e Johnson, levada a cabo por um sexólogo ou terapeuta sexual com intervenção preferencial no casal;
- Intervenção médica e/ou cirúrgica: a intervenção farmacológica, recorrendo a hormonas ou antibióticos, ou mesmo a intervenção cirúrgica poderá ser muito benéfica em alguns casos, pelo que é fundamental recorrer à consulta de ginecologia para avaliação e diagnóstico diferencial.