Embora na gíria se ouça o termo obsessões para determinar ideias fixas ou persistentes, importa aqui esclarecer que no contexto clínico as obsessões podem ser pensamentos, imagens ou impulsos recorrentes e persistentes, e que são egodistónicos, isto é, a pessoa experiencia-os como intrusivos (não dependem da sua vontade) e inapropriados (não são funcionais ou ajustados à realidade).
Por esse motivo, as obsessões provocam mal-estar acentuado e ansiedade elevada. Embora a pessoa que tem pensamentos, imagens ou impulsos obsessivos reconheça que estes provêm da sua mente, não tem qualquer controlo sobre eles e não os deseja experienciar.
As obsessões não são meras preocupações excessivas com os problemas quotidianos, como por exemplo questões relacionadas com as finanças ou o emprego, sendo pouco provável que estejam relacionadas com aqueles. Por esse motivo, distinguem-se da preocupação, que habitualmente é relacionada com a realidade e, portanto, mais difícil de rebater, comparativamente com o conteúdo excessivo e/ou irracional das obsessões.
Assim, as obsessões podem ter diferentes conteúdos, sendo as mais comuns as que se relacionam com as questões de contaminação (por exemplo, preocupação com sujidade ou limpeza), com agressividade (por exemplo, medo de se agredir a si próprio ou a outros), com questões sexuais (por exemplo imagens perversas ou proibidas) ou outras, como por exemplo obsessões de poupança, obsessões religiosas, obsessões somáticas, etc..
Dado que provocam um mal-estar e ansiedade intensos, as pessoas com obsessões tendem a evitar os pensamentos, tentando suprimi-los (o que não resulta) ou tentam neutralizá-las com outros pensamentos ou com comportamentos – as compulsões, que ajudam a manter e intensificar a perturbação.
O que são compulsões?
As compulsões podem manifestar-se através de comportamentos ou de atos mentais repetitivos, excessivos ou irracionais. Elas são estabelecidas idiossincraticamente por cada pessoa, isto é, dependem do seu critério subjetivo, sendo que muitas vezes a pessoa que delas sofre não consegue explicar a própria regra, por ser excessiva ou irracional.
Por exemplo, alguém com obsessões relacionadas com a religião pode ter a compulsão de rezar um determinado número de vezes uma dada oração, sendo que o número de vezes escolhido e a oração específica são arbitrariamente estabelecidas, de forma ou exagerada ou irracional, isto é, não contribui em nada para resolver o conteúdo da obsessão ou problema que aflige a pessoa.
Imagine-se por exemplo alguém que experiencia o pensamento obsessivo traduzido na dúvida de ter desligado o fogão e que decide que vai verificar 10 vezes se o fogão está ou não desligado. Esse número em nada contribui para tirar a dúvida de ter desligado o fogão – bastava ter verificado uma vez. Mas se a pessoa estabeleceu o número de vezes como dez, não pode ser nove nem doze, tem de ser dez, embora não saiba explicar o porquê deste número.
Desta forma, embora as compulsões surjam como estratégia para diminuir a ansiedade e mal-estar, na realidade elas acabam por manter as obsessões, na medida em que a pessoa acredita que se não tivesse aquele ritual ou comportamento compulsivo, o que teme poderia ter acontecido. É por esse motivo que a curto prazo a pessoa se sente aliviada depois de ter a compulsão, mas a longo prazo o seu problema piora.
O que é a Perturbação Obsessivo-Compulsiva?
A Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC) é uma perturbação mediada pela ansiedade, na qual ocorrem obsessões e/ou compulsões que são excessivas ou irracionais e provocam mal-estar acentuado, bem como prejuízo da vida a nível funcional, relacional ou social.
Nesta perturbação, a pessoa pode ter noção do excesso ou irracionalidade dos seus pensamentos e/ou comportamentos, mas nem sempre isso acontece, havendo pessoas que não os reconhecem enquanto tal.
Os comportamentos e/ou pensamentos da pessoa consomem muito tempo diariamente, motivo pelo qual interferem negativamente com o seu bem-estar e com o funcionamento da pessoa nos vários quadrantes da sua vida.
Habitualmente, as pessoas que sofrem desta perturbação tendem a evitar as situações que lhes despoletam as obsessões, o que implica uma grande limitação à sua vida em variados contextos e pode levar a pessoa a ficar restringida à sua própria casa, no limite.
Por outro lado, os sentimentos de culpa pelos conteúdos das suas obsessões são frequentes, o que acentua o sofrimento que experienciam. Quanto às compulsões, estas podem passar a dominar o dia-a-dia da pessoa, o que leva a um grau enorme de incapacitação.
Quem pode sofrer da Perturbação Obsessivo-Compulsiva?
Tanto os adultos como as crianças podem sofrer de perturbação obsessivo-compulsiva. Nos adultos, esta perturbação surge muitas vezes associada a outras perturbações de humor, ansiedade, comportamento alimentar e personalidade. Nas crianças, a POC também pode estar associada a perturbações da aprendizagem e do comportamento. Crianças e adultos que sofrem da Perturbação de La Tourette têm elevada incidência de POC. Assim, muitas vezes a POC surge associada a outros problemas, tais como: alcoolismo ou perturbações do sono, ou outros que provocam grande invalidação.
Evolução e Prevalência da Perturbação Obsessivo-Compulsiva
Habitualmente, a POC surge na adolescência ou no início da idade adulta, embora também possa iniciar-se na infância. Estima-se que cerca de 2,5% da população geral ao longo da vida sofra de POC e que a sua evolução manifeste diferenças de género: nas mulheres o início é habitualmente mais tardio do que nos homens.
O surgimento da POC habitualmente é gradual, embora haja pessoas que manifestam um início agudo, e a sua evolução é crónica, com períodos de intensificação e de diminuição dos sintomas, que varia com o grau de stress experienciado em diferentes fases ou contextos da vida.
Quais são as causas da Perturbação Obsessivo-Compulsiva?
Existem vários modelos explicativos da POC. A nível biológico e anatómico, a POC parece estar associada a baixos níveis de serotonina, a alterações funcionais e metabólicas em determinadas zonas cerebrais e a questões genéticas.
A nível cognitivo e comportamental, a POC está relacionada com a forma como a pessoa interpreta as suas obsessões, bem como a forma como se relaciona com elas, obedecendo através da realização de atos compulsivos, mentais ou comportamentais e sentindo-se responsável e culpada pelas obsessões e seu conteúdo. Perfeccionismo, controlo e responsabilização excessivos são também traços de personalidade muitas vezes encontrados em pessoas que sofrem de POC.
Quando deve procurar ajuda?
A pessoa deve procurar ajuda quando as obsessões ou compulsões passarem a ocupar mais de uma hora por dia, causarem sofrimento acentuado e prejudicarem o funcionamento pessoal, seja a nível ocupacional, familiar, social ou outro.
Deixar evoluir a perturbação pode levar a um grau de evitamento elevado, com custos pessoais evidentes, restringindo muitas vezes a pessoa à sua própria habitação. Além disso, adiar a procura de ajuda profissional levará a que o problema se instale, tornando mais difícil e moroso o seu tratamento.
Tratamento da Perturbação Obsessivo-Compulsiva
O tratamento mais eficaz para a POC é a psicoterapia, que pode ser aliada à farmacologia.
- Psicoterapia: há várias abordagens psicoterapêuticas que têm demonstrado bons resultados no tratamento da POC, nomeadamente a Terapia Cognitivo-Comportamental, mais especificamente a terapia de Exposição com Prevenção de Resposta, mas também a terceira geração das terapias cognitivo-comportamentais, como é o caso da MBCT, que inclui o Mindfulness e a ACT, envolvendo as questões da aceitação e compromisso, têm mostrado resultados mais duradouros e consistentes.
- Farmacologia: a medicação pode ser um bom aliado da psicoterapia. Os fármacos mais utilizados para tratar a POC são antidepressivos e antipsicóticos.
Assim, é fundamental que a pessoa procure um profissional de saúde mental (psicólogo ou psiquiatra) que faça psicoterapia, para que possa ser trabalhado, a nível cognitivo, a forma como o paciente se relaciona com as obsessões e a nível comportamental, como responde às compulsões.
O que podem fazer amigos e familiares de pessoas que sofrem de POC?
Nem sempre as pessoas que sofrem de POC têm bom insight acerca da doença, o que significa que poderão ter dificuldade em perceber que necessitam de tratamento por se tratar de uma doença. Nesse sentido, os amigos e familiares, que também são afetados pela doença, têm um papel fundamental na procura de informação e podem acompanhar o tratamento da pessoa doente, ajudando-a no dia-a-dia a lidar com as suas obsessões e compulsões. Como tal, é fundamental que possam participar no processo terapêutico, para aprenderem estratégias que ajudem a pessoa com POC no quotidiano.