A entorse de tornozelo surge quando um movimento brusco e exagerado de rotação do pé em relação ao eixo da perna faz com que parte ou toda a planta do pé deixe de estar em contacto com o solo (torsão), dando origem a um estiramento anormal (lesão) dos ligamentos que fazem parte da articulação do tornozelo. Estes ligamentos que estão na região lateral (“parte de fora”) e região medial (“parte de dentro”) do tornozelo são como pequenos cordões elásticos que constantemente se adaptam às mudanças da posição do pé e que ajudam a impedir os movimentos que afastam demasiado o pé do eixo da perna.
O mecanismo mais frequente de entorse é o movimento do “pé para dentro” (inversão), que origina lesão dos ligamentos da região lateral (“parte de fora” ou externa) do tornozelo. Por sua vez, o movimento oposto do pé (eversão ou “pé para fora”) dá origem a lesão dos ligamentos da região medial (“parte de dentro” ou interna) do tornozelo.
(ver Figura 1)
Numa entorse do tornozelo a lesão ligamentar pode ser de 3 diferentes graus, mediante a gravidade da lesão, a saber:
- grau 1 ou ligeira, quando ocorre estiramento patológico dos ligamentos, sem roturas (os ligamentos esticam demasiado, mas não rompem);
- grau 2 ou moderada, quando surge rotura parcial de 1 ou mais ligamentos (não há rotura total de nenhum dos ligamentos);
- grau 3 ou grave, quando surge rotura completa (ou total) de 1 ou mais ligamentos.
Além dos ligamentos, numa entorse do tornozelo podem também ficar afetadas outras estruturas anatómicas da articulação, como os tendões e músculos e, nos casos mais graves, as cartilagens e os ossos. Como a entorse mais comum ocorre com o movimento de inversão do pé, os músculos mais frequentemente atingidos são os da região lateral (“parte de fora”) do tornozelo e perna, os peroneais, que também sofrem assim um estiramento excessivo. Estes músculos têm um papel fundamental na estabilização do tornozelo, porque a sua contração tenta impedir o movimento excessivo de inversão do pé.
Mesmo numa entorse ligeira do tornozelo existe sempre lesão de elementos microscópicos da articulação, como por exemplo os recetores neuro-sensoriais (estruturas nervosas especializadas que estão presentes nos diferentes componentes articulares), dando origem a alterações como o défice de proprioceção (diminuição da capacidade de o organismo saber a posição exata de cada ponto) do pé/tornozelo. Se estas alterações não forem identificadas e minimizadas, podem posteriormente surgir mais facilmente novas entorses da articulação, por dificuldade no seu controlo neuro-motor e na consequente estabilização.
Tratamento na entorse do tornozelo
Uma entorse do tornozelo deve sempre ser avaliada e, mesmo sendo ligeira, deve ser efetuado tratamento fisioterapêutico, já que mesmo um pequeno estiramento excessivo das estruturas articulares origina alterações que diminuem a estabilidade da articulação.
O tratamento deve também incluir repouso relativo do pé e tornozelo, isto é, deve-se diminuir a carga (peso do corpo) que se coloca em cima da articulação utilizando 1 ou 2 canadianas para caminhar, se necessário (de acordo com a gravidade do quadro). Pode também ser necessária a imobilização do pé/tornozelo com uma tala amovível (ortótese) ou, em alguns casos, uma tala gessada. É importante que depois se aumente a carga no tornozelo o mais cedo possível, pelo que, assim que a dor permita, deve-se de uma forma progressiva deixar de utilizar a(s) canadiana(s) para caminhar.
A utilização de uma compressão como o pé elástico ou uma meia elástica logo após a entorse é muito útil na maioria dos casos, assim como a colocação do pé e perna numa posição mais elevada, de preferência com o joelho em extensão (esticado). Para aliviar a dor pode-se utilizar o gelo, que deve ser aplicado com proteção da pele, entre 10 a 15 min, por exemplo de 2 em 2 horas.
Os medicamentos (ou remédios) anti-inflamatórios devem ser evitados nos primeiros dias após uma entorse, já que, além dos possíveis efeitos secundários, vão de certeza diminuir a resposta inflamatória fisiológica (resposta normal) do organismo e, como tal, podem prejudicar a cicatrização das lesões. Se necessário, deve-se diminuir a dor com medicamentos analgésicos como o paracetamol.
Numa entorse do tornozelo a cirurgia só se realiza, habitualmente, se não houver resposta a um adequado programa de reabilitação.
Fisioterapia na entorse do tornozelo
A fisioterapia deve ser iniciada logo após a entorse do tornozelo, devendo ser realizada todos os dias e a duração do programa de tratamento irá depender da gravidade da lesão e da sua evolução, pelo que tanto pode demorar alguns dias (entorses muito ligeiras) como meses (entorses graves).
Não obstante a utilização de correntes elétricas analgésicas para diminuição da dor, a fisioterapia precoce tem um papel fundamental na diminuição do edema (inchaço) do pé e tornozelo e também no retomar dos movimentos da articulação, sempre adequados a cada caso, tendo como o objetivo a aceleração da sua recuperação.
Os exercícios de reabilitação podem e devem igualmente ser realizados em meio aquático, já que a realização de movimentos na água vai também aumentar a drenagem do edema e a vantagem da diminuição do peso corporal pela imersão na água vai, por exemplo, permitir que se caminhe mais rapidamente com apoio total no pé/tornozelo atingidos (dentro de água).
Numa entorse do tornozelo é sempre necessário realizar a reeducação da marcha, já que mesmo numa entorse ligeira surgem pequenas alterações no apoio do pé ao caminhar que podem originar outros problemas, incluindo noutras articulações. Se é necessária a utilização de canadianas, além da correta postura, é fundamental ensinar que quando só se utiliza 1 canadiana é sempre no membro superior oposto ao lado da entorse, isto é, utiliza-se a canadiana no “lado bom” (se a entorse é no tornozelo direito a canadiana deve colocar-se no braço esquerdo e vice-versa).
Mal a dor e o edema comecem a diminuir, com a ajuda dos diversos tipos de massagem, o fisioterapeuta vai o quanto antes tentar que o tornozelo volte progressivamente a efetuar os seus movimentos normais, utilizando variadas técnicas manuais/especiais. É importante ter em atenção que a recuperação do movimento que originou a entorse (normalmente a inversão) deverá ser realizada mais tardiamente e que se deve insistir tanto quanto possível no aumento do movimento de dorsiflexão (puxar o pé para cima).
Assim que a dor permita, devem-se iniciar exercícios de estimulação da propriocetividade (consciência da posição) do pé/tornozelo e melhoria do equilíbrio, de acordo com a gravidade da entorse, e depois deve-se aumentar progressivamente a sua dificuldade, isto é, ir diminuindo aos poucos as “ajudas” - por exemplo passar de exercícios na posição de sentado para a posição de pé, de bipodálicos (apoio nos 2 pés) para unipodálicos (apoio só num pé) e de superfícies mais estáveis para as mais instáveis (como o bosu). A intenção é ir habituando novamente o pé/ tornozelo às instabilidades normais dos gestos do dia-a-dia e da profissão e/ou desporto.
(ver Figura 2)
Além da reeducação do movimento do pé/tornozelo, deve-se potenciar todo o processo de reabilitação de uma entorse do tornozelo com outros estímulos sensório-motores e também cognitivos, como por exemplo realizar os exercícios atrás referidos com e sem o auxílio da visão, executar outra tarefa motora ao mesmo tempo (equilibrar um bastão com uma mão) ou efetuar simultaneamente uma tarefa cognitiva simples (fazer contas matemáticas “de cabeça”). Esta estimulação tão variada vai originar processamentos múltiplos e uma consequente aprendizagem mais eficaz, já que tira partido da neuroplasticidade (capacidade de adaptação do sistema nervoso) – o cérebro também assume um papel fundamental na reabilitação das lesões musculo-esqueléticas.
Os protocolos clássicos de reabilitação de cada tipo de entorse do tornozelo são muito importantes como guias globais do tratamento, mas é essencial que se vá avaliando a evolução de cada caso e, se necessário, se façam adaptações ao programa que estava instituído – deve-se por exemplo atrasar o início de um exercício “mais difícil” se o exercício semelhante “mais fácil” não estiver a ser corretamente efetuado ou originar dor relevante, assim como se pode antecipar um pouco o início de um movimento de maior instabilidade se não existir dor ou défice importante de estabilidade da articulação.
Fortalecimento dos músculos
Após uma entorse do tornozelo é muito importante que no programa de fisioterapia / reabilitação se restabeleça também o equilíbrio e a eficiência dos músculos da articulação, isto é, tem que se fortalecer os músculos que ficaram atingidos e também tem que se treinar as suas respostas automáticas aos movimentos excessivos da articulação, para tentar evitar novas entorses.
Nos exercícios de reforço muscular após uma entorse deve-se insistir no trabalho dos músculos intrínsecos do pé, nos dorsiflexores e, na maior parte das vezes, no trabalho dos músculos peroneais (que estão na “parte de fora” do pé/tornozelo/perna), já que são estes os músculos que mais frequentemente ficam lesionados (na entorse em inversão).
Nesta fase da reabilitação utilizam-se diversos tipos de exercícios, por exemplo estáticos ou dinâmicos, sem ou com a ajuda de resistências e ainda com a intervenção direta do Fisioterapeuta ou só com a sua supervisão. O reforço muscular é também associado e complementado com a reeducação da propriocetividade, para que a resposta muscular protetora seja o mais eficiente possível.
É também importante que se ensinem alguns exercícios simples adequados a serem realizados em casa, não só para ajudar a recuperação, mas também para envolver mais a própria pessoa no seu processo de reabilitação.
Entorses de tornozelo no desportista
A entorse do tornozelo é a lesão mais frequente do desporto em geral e a sua frequência aumenta em modalidades como o basquetebol, voleibol e futebol, entre outras. As causas / fatores de risco são variados, sendo de salientar:
- antecedente de entorse do tornozelo (já ter tido uma entorse antes);
- prática de desportos com contacto, impulsão/salto e corrida;
- calçado inadequado;
- hiperlaxidez ligamentar generalizada;
- dismetria dos membros inferiores (um mais curto que o outro);
- défice de dorsiflexão do pé;
- défice de força muscular e/ou de velocidade de reação dos músculos peroneais;
- défice propriocetivo e de controlo postural;
- fadiga.
Nos desportistas tem que se ter sempre em atenção que o desejo de uma recuperação mais rápida não pode impedir a reabilitação completa da entorse do tornozelo, pois o retorno à atividade desportiva deve ser sempre realizado da forma mais segura possível.
Para quem pratica desporto, sobretudo de competição, é muito importante que no processo de reabilitação de uma entorse do tornozelo não se descure o treino das capacidades físicas que podem ser também trabalhadas, como por exemplo a resistência aeróbica – deve então ser mantido ou até aumentado o treino cardiovascular, com as devidas adaptações. Devem-se também manter os exercícios de reforço muscular possíveis, incluindo do membro inferior do lado da entorse (se necessário realizam-se os exercícios em descarga, isto é, sem o peso corporal), não esquecendo o reforço de músculos como os abdominais e os nadegueiros – que são depois fundamentais na estabilização corporal. Pode e deve também aproveitar-se esta fase para aumentar os exercícios de flexibilidade, com especial ênfase na cadeia posterior dos membros inferiores (músculos/estruturas da parte de trás da perna e coxa).
No desportista que sofreu uma entorse do tornozelo deve-se insistir logo que possível nos exercícios unipodálicos (apoio só num pé) e nos exercícios pliométricos (exercícios muito diversos, mas que incluem sempre saltos), já que são exercícios essenciais para a completa reeducação neuro-motora de qualquer atleta.
Outro aspeto fundamental na reabilitação de uma entorse do tornozelo de desportistas é o treino do gesto desportivo de cada desporto, isto é, os exercícios têm que progressivamente ser orientados para mimetizar as características de cada atividade desportiva, nomeadamente irregularidades do terreno, mudanças de sentido e direção, saltos, receções ao solo e quedas – a fase final do programa de reabilitação é sempre realizada no local do treino.
No desporto de competição é também importante que no regresso após a lesão se promovam diversos contextos de treino, se realizem diferentes sequências de exercícios e se introduzam focos externos de atenção, já que a mudança e a variedade de estímulos sensoriais / mentais vai melhorar o processo de reabilitação – mais uma vez utilizando a capacidade de adaptação das células e circuitos neuronais (neuroplasticidade).
Para a prevenção de novas entorses do tornozelo devem então ser introduzidos exercícios regulares preventivos desta lesão e, sobretudo nos desportos com maior risco de ocorrerem este tipo de entorse, devem também ser utilizadas ligaduras funcionais ou ortóteses (talas) adequadas, nos treinos e nas competições.