Nas primeiras semanas de gravidez ocorrem modificações anatómicas e fisiológicas no organismo da mulher. As glândulas do colo do útero apresentam uma proliferação intensa, sendo responsáveis pela produção de um muco espesso (rolhão mucoso) que tem como objetivo ocluir o canal cervical até ao final da gravidez e impedir as infeções ascendentes da vagina. O epitélio da vulva e da vagina da mulher grávida sofrem alterações devido ao ambiente hormonal que ocorre nesta fase. Existe um aumento da secreção vaginal, uma descamação das células da vagina e uma alteração da flora da vagina. Devido ao estímulo hormonal há uma maior quantidade de lactobacilos levando à acidificação da vagina (pH < 4,5).
Devido às alterações fisiológicas que surgem durante a gravidez, é normal haver um corrimento no início da gravidez, caracterizando-se por ser abundante, branco ou esbranquiçado, e ácido. Assim, desde o início do primeiro trimestre, a grávida tem um corrimento que pode ser normal. Quando a gestação atinge o termo (37 semanas) e nas semanas seguintes, geralmente associado a algumas contrações uterinas, pode começar a haver um corrimento mais abundante branco ou transparente, mucoso ou gelatinoso, o rolhão mucoso.
A identificação das infeções vaginais na gravidez é obrigatória e essencial para a prevenção de algumas complicações como o parto pré-termo (parto antes das 37 semanas) e a rotura prematura das membranas. Nestas situações, o quadro infecioso deve ser bem caracterizado, deve ser prescrito o tratamento adequado e confirmada posteriormente a sua eficácia terapêutica.
O que não é normal na gravidez?
É frequente a mulher grávida referir um corrimento vaginal, prurido ou ardor vulvar em alguma fase da gravidez, o que torna difícil a valorização dos sintomas para identificação de uma infeção vaginal.
Durante a gravidez, os corrimentos que não são brancos ou transparentes, que não têm cheiro e que têm outros sintomas vulvo-vaginais associados não são considerados normais.
Mediante as particularidades de cada corrimento, podem estar envolvidas distintas situações infeciosas. De modo a existir uma orientação mais correta, deve-se considerar e caracterizar os sintomas e deve ser efetuada a avaliação clínica pelo Médico Obstetra.
O corrimento com aspeto branco ou amarelo claro, espesso, grumoso, em pequenos retalhos (tipo requeijão), geralmente sem odor pode ser motivado por uma infeção fúngica, a candidíase. Perante esta situação, ao corrimento associam-se sintomas como prurido (comichão) que piora à noite, ardor e dispareunia (dor com as relações sexuais).
Saiba, aqui, o que é candidíase.
Por sua vez, o corrimento verde ou esverdeado, ou amarelado, fluído, com odor ou cheiro fétido (mau cheiro) pode ser causado pela infeção tricomoníase. Geralmente, associam-se ainda os sintomas de rubor (vermelho) e edema (inchaço) da vulva.
Saiba, aqui, o que é tricomoníase.
No que diz respeito ao corrimento branco acinzentado abundante, cremoso, com forte odor desagradável que agrava com as relações sexuais (“cheiro a peixe podre”) pode ter a sua origem numa infeção que se designa de vaginose bacteriana. Habitualmente, não está associado a sintomas de prurido (comichão) mas o ardor é frequente.
Saiba, aqui, o que é vaginose bacteriana.
De salientar que as principais causas destes corrimentos vaginais incomuns são as patologias (doenças) infeciosas, no entanto, na gravidez devem ser excluídas outras situações não infeciosas e que condicionam a orientação médica da gravidez.
Apesar de ser comum a grávida referir corrimento branco no final da gravidez, este deve ser caracterizado de forma detalhada, de forma a excluir outras patologias não infeciosas. O corrimento mais aguado (pouco denso, quase água) pode corresponder a uma rotura prematura das membranas. O corrimento tipo rolhão mucoso que ocorre no último trimestre ou nos meses anteriores pode não ser normal pois pode corresponder a uma ameaça de parto pré-termo (antes das 37 semanas).
Qualquer tipo de corrimento com sangue (corrimento acastanhado ou marrom, corrimento escuro ou preto) durante a gravidez, mesmo após as 37 semanas, não deve ser considerado normal pela grávida, devendo sempre ser avaliado e observado pelo médico obstetra, de forma a excluir patologias importantes.
Como diagnosticar?
A história clínica detalhada, a realização do exame ginecológico e obstétrico, e de testes laboratoriais sempre que indicados são elementos que estão implícitos no diagnóstico de cada tipo de infeção. Perante um quadro clínico próprio de uma infeção aguda, os exames laboratoriais podem permitir a comprovação do diagnóstico e a identificação de infeções associadas. Estes exames e outras análises podem-se revestir de particular utilidade nos casos de infeção não-agudos e recorrentes, bem como no diagnóstico diferencial de patologias não infeciosas.
O exame ginecológico possibilita a avaliação clínica e observação pormenorizada da vulva, da vagina, do colo do útero e da caracterização do corrimento vaginal presente, permitindo a suspeita do quadro clínico típico e mais plausível.
Como tratar o corrimento?
Os tratamentos diferem mediante os diferentes tipos de infeções, conforme descreveremos de seguida.
O tratamento da candidíase recomendado para a mulher grávida sintomática é efetuado com um medicamento (remédio) derivado do imidazol sob a forma tópica (creme intravaginal), durante 6 dias, não devendo ser utilizadas as preparações orais. O parceiro sexual deve apenas ser tratado se tiver sintomas de infeção (balanite). Nos casos de sintomas e inflamação vulvar intensos pode ser aliada a higiene com anti-séptico para causar um alívio mais apressado dos sintomas.
Saiba, aqui, tudo sobre candidíase.
O tratamento da tricomoníase tem como finalidade destruir o parasita e normalizar o ambiente vaginal, de forma a reduzir o risco de repetições e consequentes complicações como a rotura prematuras das membranas e o parto pré-termo. Este está apontado não só nas mulheres com sintomas como no parceiro sexual, dado que este parasita infeta não só a vagina como também a uretra (infeção urinária) e as glândulas para-uretrais e para-vaginais, o tratamento recomendado é sistémico (via oral). A única classe de fármacos eficientes são os nitroimidazóis, podendo ser ministrada em dose única ou durante 7 dias. A mulher não deve ter relações sexuais até ao fim do tratamento do casal ou até ambos ficarem assintomáticos (sem sintomas).
Saiba, aqui, tudo sobre tricomoníase.
O tratamento da vaginose bacteriana deve ser realizado na grávida sintomática de forma a reduzir os riscos de complicações como a rotura prematuras das membranas e o parto pré-termo. Neste tipo de infeção, o tratamento do parceiro sexual não está aconselhado. O tratamento medicamentoso pode ser feito com o metronidazol (tópico ou oral) ou com a clindamicina (oral), em todos os trimestres da gravidez. A clindamicina tópica não deve ser usada na segunda metade da gravidez. Durante o tratamento a mulher não deve ter relações sexuais ou deve usar preservativo.
Saiba, aqui, tudo sobre vaginose bacteriana.
A mulher grávida nunca se deve automedicar ou tentar qualquer tipo de tratamento caseiro ou natural sob pena de poder agravar o seu estado de saúde e do seu bebé.