A FIV (Fertilização in Vitro) é uma técnica de Procriação Medicamente Assistida (PMA) que tem como objetivo proporcionar a gravidez a uma mulher ou casal infértil. Comporta um conjunto de processos e técnicas que são usados ao longo de cerca de 2 a 3 semanas, e que culminam com a transferência de pelo menos um embrião para o útero.
O seu nome provém do facto da junção dos gâmetas (ovócito e espermatozoide) se processar em laboratório. A FIV é, habitualmente, classificada como técnica de segunda linha, dada a sua maior complexidade. A Inseminação Intra Uterina (IIU) é uma técnica de primeira linha de PMA.
A FIV é usada há mais de 40 anos, tendo a sua história começado em 1976, quando a primeira criança nascida desta técnica foi reportada. Este método, então inovador, rapidamente se converteu em prática corrente em todo o mundo, sendo estimado que mais de 7 milhões de gravidezes tenham já sido obtidas com recurso à FIV. 1-3% das gravidezes na Europa e EUA são obtidas com recurso a variantes desta técnica, que revolucionou verdadeiramente a reprodução humana.
A ICSI (Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoide) é uma variante da FIV, cuja diferença se resume à técnica de fertilização dos ovócitos.
Em que consiste a técnica de FIV?
Resumidamente, após o estudo da mulher ou do casal por um especialista em Medicina da Reprodução, e a proposta desta técnica como a mais adequada no seu contexto, existem 3 fases distintas:
- Estimulação ovárica;
- Colheita de gâmetas e fertilização em laboratório;
- Transferência de embrião(ões).
A técnica tem variantes (por exemplo, ICSI), mas a sequência de eventos é semelhante para a mulher ou casal. A medicação usada pode variar de acordo com a situação clínica.
Como é realizado o procedimento?
1. Estimulação ovárica
A colheita de óvulos só se processa quando houver folículos adequadamente desenvolvidos no ovário. Apesar destes poderem ser colhidos de uma mulher durante o seu ciclo espontâneo, nos ciclos menstruais da espécie humana habitualmente só se desenvolve um folículo com um ovócito maduro por ciclo. Como a probabilidade de sucesso da técnica depende também do número de ovócitos obtidos, normalmente efetua-se estimulação com hormonas para obter um número de ovócitos maior.
A estimulação ovárica tem várias variantes, mas independentemente do tipo, frequência, duração e altura de início da medicação (habitualmente injeções subcutâneas), o objetivo é um desenvolvimento folicular suprafisiológico. Isto significa que provocamos um maior desenvolvimento de folículos (cada qual com o seu ovócito) e impedimos que estes sejam libertados antes da altura ideal.
Habitualmente, a mulher administra hormonas para estimular os ovários e simultaneamente impedir a ovulação espontânea.
O ajuste da medicação e determinação da altura ideal para a recolha dos ovócitos é feito através do controlo regular por ecografia, e, eventualmente, análises de sangue. Quando indicado, é feita uma nova medicação que despoletará o desenvolvimento (maturação) final dos ovócitos e programada a sua recolha.
Esta fase será a mais demorada de todo o ciclo FIV. Demora, habitualmente, entre 8 e 12 dias desde o início da medicação injetável.
2. Punção folicular e Fertilização in Vitro
No dia programado para a ovulação (cerca de 34 a 36h após a medicação apropriada) é feita a recolha dos ovócitos e de esperma.
A recolha dos ovócitos é feita no bloco operatório, sob controlo ecográfico, através da vagina. É um procedimento que pode ser feito sob anestesia local, mas habitualmente é feito com sedação (a dormir). A aspiração dos folículos dura habitualmente alguns minutos apenas (entre 5 a 15). O número de óvulos retirados é dependente do número de folículos aspirados e do desenvolvimento durante a fase de estimulação.
A recolha do esperma faz-se habitualmente por masturbação. Dependendo dos casos e motivo de infertilidade, pode ser necessária outra origem dos espermatozoides (exemplo, biópsia testicular), mas estas são situações específicas.
Os gâmetas (espermatozoides e óvulos) são, então, tratados no laboratório por um(a) embriologista, que levará a cabo o processo de fecundação. O espermatozoide entrará no ovócito de forma espontânea ou de forma manipulada (no caso da ICSI, em que é injetado com recurso a um microscópio no ovócito).
3. Desenvolvimento dos embriões e transferência embrionária
A fecundação dos ovócitos é verificada algumas horas após estes processos. O número de embriões depende da quantidade de óvulos (ovócitos) previamente recolhidos.
Os embriões são avaliados morfologicamente para determinar a probabilidade de normal desenvolvimento in útero.
A transferência de embriões faz-se, habitualmente, entre os dias 2 e 5 do seu desenvolvimento. A qualidade dos embriões é avaliada sistematicamente neste período.
Pode ser selecionado um único embrião ou mais (habitualmente não mais do que dois) para transferir, de entre os embriões com desenvolvimento adequado ao estadio em que se encontram. A implantação dá-se sempre depois do 6º dia de desenvolvimento, pelo que a transferência tardia (5 dias) poderá permitir uma melhor seleção dos embriões sem prejudicar os resultados.
Os embriões excedentários (sobrantes) com bom desenvolvimento poderão ser criopreservados (congelados), permitindo a sua transferência posterior. Em algumas situações, para proteger a mulher de complicações (por exemplo hiperestimulação ovárica) e/ou melhorar os resultados do tratamento por outro motivo, podem ser criopreservados todos os embriões. Ou seja, neste caso não se fará transferência de embriões a seguir à punção, sendo criopreservados todos os embriões de boa qualidade para transferir posteriormente (noutro ciclo menstrual). O timing ideal desta transferência de embriões congelados depende do motivo que originou a criopreservação, mas poderá ser no ciclo (mês) a seguir ao tratamento.
Doação / criopreservação de ovócitos
A técnica para obtenção de óvulos (ovócitos) doados é semelhante à aqui descrita. No entanto, não existe preocupação em relação à preparação do endométrio para uma possível transferência de embriões, e esta fase (transferência) não se aplica, naturalmente.
Nas técnicas especificamente para criopreservação de ovócitos, por causa oncológica ou social também se processam desta forma. Em algumas situações, pode ser iniciada inclusive nova estimulação logo após a primeira colheita (punção folicular). À semelhança da doação de óvulos, não há atenção à qualidade endometrial, já que não haverá lugar a transferência de embriões.
Nestas situações o dia da menstruação é muitas vezes antecipado, a seguir ao tratamento, podendo aparecer menos de 10 dias após a punção.
Cuidados após a técnica
Não existe evidência de que o repouso após técnicas de PMA melhores os resultados. A obtenção da tão desejada gravidez não depende do tipo ou frequência do exercício após a transferência de embriões. A relação sexual, como seria de esperar, também não parece ter um efeito negativo (e poder ter inclusive efeitos benéficos).
De acordo com a prescrição médica, pode haver necessidade de continuar medicação durante este período e até ao teste de gravidez, ou ainda um maior período.
O teste de gravidez é habitualmente feito a partir de 14/15 dias após a punção folicular, o que será o equivalente ao primeiro dia do atraso menstrual. Este teste pode ser um teste de urina (qualitativo), mas habitualmente é recolhido sangue para obter um valor quantitativo.
Em que situações se usa a FIV?
A FIV tem variadas indicações. A infertilidade de um casal pode ser uma indicação, nomeadamente por:
- Trompas obstruídas, por laqueação tubar ou outro motivo;
- Fator masculino grave;
- Reserva ovárica diminuída;
- Insuficiência / falência Ovárica (podendo haver recurso a ovócitos de dadora);
- Outros fatores, como uterinos, e outros problemas com falha com tratamentos de primeira linha (como IIU)
Saiba, aqui, tudo sobre Inseminação Intra Uterina (IIU).
A FIV pode também ser um tratamento usado por casais de mulheres ou por mulheres sem parceiro, dependendo das condicionantes de cada caso.
A técnica ROPA (receção de ovócitos da parceira) é uma técnica em que um membro do casal de mulheres é estimulado para colheita de ovócitos, enquanto o outro recebe os embriões.
Quando não pode ser usada a FIV?
A maioria das contraindicações à FIV (enquanto conjunto de técnicas) serão patologias ou situações clínicas em que uma gravidez esteja contraindicada. De outro modo, depois de avaliados os riscos em cada caso, esta técnica poderá ser usada por mulheres dos 18 aos 49 anos (em Portugal).
Situações em que não existam ovócitos próprios em quantidade ou qualidade suficiente (falência ovárica, por exemplo) necessitarão de doação de ovócitos.
Situações com ausência de útero necessitarão de “barriga de aluguer” ou transplante uterino (técnica ainda experimental)
Mulheres com patologia intra-abdominal grave e/ou múltiplas cirurgias, como mulheres com endometriose grave poderão ter um risco acrescido relativamente ao conjunto de procedimentos e gravidez posterior, podendo estes riscos ultrapassar, em raros casos, a utilidade da técnica.
Qual a eficácia da FIV?
A taxa de sucesso da FIV é difícil de caracterizar, sobretudo pela enorme discrepância de probabilidade de sucesso entre casos. Uma mulher de 27 anos pertencente a um casal infértil por fator masculino grave poderá ter uma probabilidade de parto após um primeiro tratamento superior a 50%. No entanto, uma mulher de 42 anos num casal infértil sem causa identificada pode ter uma probabilidade de sucesso inferior a 7%. A probabilidade de sucesso diminui significativamente após os 35 anos, mas a cada ano que passa diminuiu de forma mais notória, sendo muito baixa, em média, depois dos 40 anos. Isto é verdade para a FIV e para a ICSI.
A forma mais importante de medir o sucesso da técnica é pelos recém-nascidos vivos, sem complicações, por tratamento efetuado. A taxa de transferência de embriões ou de gravidez clínica é importante, mas são apenas marcos que, por si, não resolvem o problema à utente ou casal.
Número de tentativas na FIV
Um resultado negativo é sempre motivo de grande tristeza, seja enquanto um casal ao final de cada um dos meses nas suas tentativas para engravidar não consegue o seu objetivo, ou após um tratamento FIV sem gravidez.
À semelhança das tentativas em casa em cada mês (ver infertilidade / fertilidade), ao final de duas tentativas, o casal ou mulher naturalmente aumenta as suas probabilidades de gravidez em relação a uma tentativa.
A FIV origina um número de embriões mais ou menos limitado, de acordo com a idade da mulher (qualidade dos ovócitos), reserva ovárica (quantidade dos ovócitos) e caso clínico em particular. Daí que múltiplas tentativas (em caso de insucesso) aumentem o número de embriões, por sua vez aumentando a probabilidade (cumulativa) de um deles dar origem a um recém-nascido.
A FIV, e muitas vezes os problemas que levam a esta necessidade conduzem a dificuldades em lidar com os resultados (negativos) do tratamento. Muitas vezes uma segunda tentativa, após insucesso, é atrasada porque o casal tem dificuldade em lidar com a situação. O problema aqui é que o sucesso dos tratamentos diminuiu com a idade, pelo que qualquer atraso poderá levar ainda a maior probabilidade de insucesso.
No Serviço Nacional de Saúde é possível fazer até 3 (três) tentativas de FIV, ou até a mulher completar 40 anos. Nos serviços privados, não existe número limite de tratamentos, e podem ser feitos tratamentos até aos 49 anos (e/ou 59 anos do parceiro).
A idade da mulher ao realizar a FIV
A idade da mulher é o fator mais importante na determinação da probabilidade de sucesso de qualquer tratamento de PMA. A fertilidade da mulher diminui com a idade desde a juventude, mas é a partir dos 35 anos que esse decréscimo é mais notório e rápido. Ou seja, a probabilidade de atingir uma gravidez com sucesso (mesmo com técnicas de PMA) diminuiu cada vez mais a cada ano que passa (cada ano o decréscimo é maior). Cerca de metade das mulheres com 40 anos são inférteis (após um ano de tentativas não conseguem uma gravidez) e quase 85% das mulheres com 45 anos tem este problema.
Com a FIV, o mesmo problema se coloca, dado que a qualidade e quantidade dos ovócitos obtidos durante o procedimento são fulcrais para o sucesso da técnica e, para a mesma mulher, ambos os parâmetros decrescem com a idade, sobretudo a partir dos 35 anos.
A FIV é dolorosa?
A técnica como um todo é essencialmente indolor (não dói). A fase da recolha de ovócitos é a potencialmente mais dolorosa, mas esta é habitualmente feita sob anestesia.
É, habitualmente, sentido algum desconforto com a medicação, e à medida que o crescimento folicular (dos ovários) se processa pode ser sentido o abdómem mais distendido.
Quais os riscos da FIV?
As técnicas de PMA (Procriação Medicamente Assistida) têm risco de algumas complicações, sobretudo para a mulher. São riscos raras vezes graves, quando corretamente acompanhada.
Um dos riscos mais importantes é o do Síndrome de Hiperestimulação Ovárica (SHEO), mas este é, também, um que se pode evitar com intervenções durante e após o internamento. O advento da criopreservação de embriões reduziu drasticamente a incidência desta complicação, porque é a gravidez imediatamente após uma estimulação “demasiado eficaz” (com demasiados folículos) a maior causa do SHEO grave. Assim, a medicação pode ser alterada de forma a reduzir esse risco, e a transferência de embriões pode ser agendada para um outro ciclo menstrual, e ser feita com ou sem medicamentos.
Ao existir transferência de 2 ou mais embriões aumenta também o risco de gémeos, com todos os riscos para os bebés e para a mãe deste tipo de gravidezes.
Confirmação de gravidez após FIV
É possível confirmar a gravidez 14 dias após a punção folicular. O teste de gravidez pode ser (e é habitualmente) feito por uma análise ao sangue, mas um simples teste de farmácia dá um resultado qualitativo (sim ou não, sem o valor para determinar se a quantidade da hormona detetada é adequada).
O teste não deve ser feito antes desta altura, pois existe o risco da medicação usada no ciclo poder causar um teste positivo. A ecografia pode ser feita entre 4 a 5 semanas após a punção folicular (pela 6-7 semana) quando já será possível observar batimentos cardíacos no embrião. Nesta altura já será possível ter sintomas habituais na gravidez, como enjoos.
Saiba, aqui, tudo sobre ecografia na gravidez.
FIV e gravidez de risco
A FIV está associada a uma maior percentagem de gravidez de risco, mas, muito provavelmente, não pelas técnicas em si, mas pelas características das mulheres que são submetidas e este tipo de técnicas. Se verificar os motivos de infertilidade, compreenderá que os casais e mulheres submetidos a técnicas de PMA tendem a ter mais patologias (algumas das quais provocam infertilidade) e tendem a ter idades mais avançadas, o que aumenta o risco na gravidez.
O stress habitualmente presente na mulher grávida é também exacerbado na mulher / casal infértil, pela dificuldade em obter a gravidez. Qualquer sintoma anormal, como sangramento, é causador de grande transtorno, especialmente nestas situações.
Limitações e alternativas à FIV
A FIV permite ajudar muitas mulheres e casais, especialmente em casos com dificuldade / impossibilidade de fecundação natural, como fatores masculinos graves. A inseminação intra uterina é uma alternativa viável em algumas situações, como casos de causa masculina ligeira, infertilidade sem causa estabelecida de curta duração. Este é também o tratamento de eleição em mulheres jovens sem infertilidade (doação de esperma).
Saiba, aqui, tudo sobre inseminação intra uterina (IIU).
Qual o custo da FIV?
O custo da FIV envolve habitualmente um conjunto de procedimentos desde o início da medicação até à transferência de embriões, mas não o estudo do casal, ou a criopreservação de embriões, por exemplo.
A variante ICSI habitualmente será mais dispendiosa, por envolver passos adicionais em laboratório.
O valor ronda os 3500 a 5000€, dependendo do tipo de tratamento e clínica. Note, no entanto, que este preço apresentado é uma mera estimativa e que os valores podem variar consideravelmente de caso para caso.