A alergia medicamentosa (alergia a medicamentos ou remédios) é uma reação anormal do sistema imunitário, ou seja, uma reação imunológica, contra um medicamento que o nosso organismo passa a considerar prejudicial, quando na verdade não devia ser. É inesperada, imprevisível e independente dos efeitos farmacológicos próprios do medicamento em questão.
A maior parte das reações adversas a medicamentos não são imunológicas, ou seja, não são alérgicas! Quando uma pessoa toma uma quantidade de medicamento inadequada para o seu tamanho, o seu peso, a sua idade, etc., podem ocorrer reações adversas que chamamos previsíveis; a maioria delas depende da dose. Algumas destas reações podem ser graves (como os vómitos e a queda de cabelo provocados pela quimioterapia), outras potencialmente graves (como uma descida brusca nos níveis sanguíneos de açúcar após a toma de insulina ou a osteoporose provocada pela toma prolongada de corticóides), ou podem ser mais benignas (como a sonolência provocada por alguns anti-histamínicos).
Existem ainda situações em que uns fármacos interferem na atividade de outros fármacos que estão a ser administrados simultaneamente, produzindo interações medicamentosas.
Existem, ainda, outros tipos de reações adversas imprevisíveis a medicamentos, que não têm relação nem com a dose nem com interações. Podem ser reações de idiossincrasia (estas não são explicadas pelos princípios da farmacologia e geralmente estão associadas a erros do metabolismo, excreção ou biodisponibilidade do medicamento), reações de intolerância (por resposta alterada do organismo com doses terapêuticas ou infraterapêuticas, sem alterações do metabolismo, excreção ou biodisponibilidade do medicamento) e aqui neste grupo se inclui também a alergia por medicamentos.
É frequente ouvirmos dizer que os medicamentos genéricos provocam mais reações alérgicas ou que os medicamentos homeopáticos são mais seguros, mas não existem evidências que comprovem isso.
Principais alergias aos medicamentos
A reação alérgica a medicamentos resulta de uma resposta imunológica anormal dirigida contra os fármacos em causa e pode ser de vários tipos, envolvendo mecanismos “IgE-mediados” ou “não-IgE-mediados”, com apresentações diferentes:
1) Reações alérgicas a medicamentos IgE mediadas
- Resultam da produção de anticorpos de tipo IgE contra o medicamento; geralmente existe uma sensibilização por contacto prévio e quando ocorre uma nova exposição ativam-se várias células imunitárias que levam a uma libertação explosiva de mediadores;
- São reações imediatas - os sintomas surgem nas primeiras horas após a toma do medicamento;
- Podem ser muito graves e capazes de pôr a vida em risco em poucos minutos.
2) Reações alérgicas a medicamentos não-IgE mediadas
- Estão envolvidos outros intervenientes do sistema imunitário que reagem contra os medicamentos;
- Geralmente são reações tardias, até vários dias depois de estar a tomar o medicamento, o que torna o diagnóstico mais difícil;
- Podem ser mais ligeiras, mas também existem situações muito graves.
Os principais medicamentos que causam alergia são os antibióticos betalactâmicos, portanto derivados da penicilina (como é o caso da amoxicilina, por exemplo). Outra alergia a medicamentos mais comuns inclui os anti-inflamatórios (AINES), como é o caso do ibuprofeno.
Não é frequente observar-se reações a medicamentos fora da validade (prazo vencido).
Sinais e sintomas na alergia medicamentosa
A alergia causada por medicamento pode manifestar-se com sinais e sintomas muito diversos, de espectro amplo e heterogéneo e gravidade variável.
Deve-se suspeitar de alergia a medicamentos quando há associação temporal entre o início do medicamento e os sintomas, e se ocorre desaparecimento dos sintomas quando se pára de tomar o medicamento.
Nas pessoas alérgicas a medicamentos a sintomatologia é reprodutível, isto é, surgem queixas sempre que aconteça exposição a esse medicamento. Se um dia se sentiu mal com algum medicamento, mas já voltou a tomar esse mesmo medicamento e não teve sintomas, então é pouco provável ter sido uma verdadeira alergia. Devemos pensar em alergia quando sintomas idênticos se repetem sempre após a toma do mesmo medicamento ou de medicamentos relacionados.
Pele e mucosas:
- Exantema maculo-papular;
- Urticária: manchas na pele vermelhas, localizadas (só rosto, ou só pernas, ou só tronco, por exemplo) ou generalizadas, com prurido (comichão);
- Inchaço/angioedema (por exemplo olhos inchados ou mesmo edema da glote);
- Dermatite medicamentosa;
- Exantema fixo;
- Dermatite exfoliativa;
- Eritema multiforme;
- Várias outras situações graves de bolhas pelo corpo.
Aparelho digestivo:
- Náuseas, vómitos, diarreia, dor abdominal.
Sistema respiratório
- Espirros, comichão nos olhos e lacrimejo;
- Tosse, chiadeira no peito e falta de ar.
Esta situação apenas costuma acontecer em doentes asmáticos com reação à aspirina e outros anti-inflamatório não-esteroides.
Aparelho cardiovascular:
- Palpitações e queda súbita da pressão arterial (por vezes com desmaio).
A febre não é um sintoma que habitualmente se associa a alergia na pele.
Quanto tempo dura uma reação alérgica?
As reações são classificadas como imediatas ou não-imediatas / tardias, dependendo do tempo em que se iniciam durante o tratamento:
Reações imediatas
- Ocorrem tipicamente poucos minutos na primeira hora após a última administração do medicamento (muitas vezes na 1ª administração de um novo curso de tratamento);
- A anafilaxia ou ainda mais grave, o choque anafilático, também pode acontecer;
- As reações imediatas são habitualmente induzidas por um mecanismo IgE-mediado.
Reações não-imediatas
- Ocorrem em qualquer período após 1 hora da toma inicial do medicamento, mesmo vários dias depois de ter iniciado;
- Sintomas comuns envolvem a pele e incluem exantema maculopapular e urticária retardada, ou mais grave, o aparecimento de bolhas. Os órgãos internos podem ser afetados isoladamente ou junto com sintomas cutâneos e incluem hepatite, insuficiência renal, pneumonite, alterações nas contagens das células do sangue (anemia, trombocitopenia…);
- Frequentemente está associado um mecanismo de alergia tardio dependente de células.
Em qualquer dos casos a duração da reação pode ser muito variável, desde horas até vários dias.
Em que idade pode ocorrer a alergia?
A alergia a medicamentos pode acontecer em qualquer idade, mas no recém-nascido ou no bebé de meses é rara.
É frequente acontecerem episódios de urticária ou exantema na criança durante a toma de antibióticos, e que na maioria das vezes não têm relação com alergia. É sempre fundamental fazer o correto diagnóstico.
A maior prevalência de verdadeira alergia a medicamentos é observada em adultos, sobretudo à volta dos 40 anos, mesmo depois de já terem tomado o medicamento várias vezes ao longo da vida sem problemas.
Como saber se tenho alergia?
O diagnóstico da alergia medicamentosa começa por uma boa história clínica. A maioria das reações adversas alérgicas possui envolvimento cutâneo.
A caracterização correta das lesões é fundamental. As lesões podem, por vezes, levantar dúvidas relativamente a outras situações clínicas. O registo com fotografias é muitas vezes útil para documentar o aspeto e evolução das lesões! Deve ter esse cuidado, uma vez que nem sempre a consulta com o alergologista ocorre em fase de observação aguda.
Apesar do papel essencial da história clínica na abordagem diagnóstica, no âmbito da alergia a medicamentos tem limitações. Muitos casos com diagnóstico final de alergia a medicamentos apresentavam inicialmente história de sintomas vagos e pouco consistentes, por outro lado, muitos doentes com história clínica sugestiva têm resultados negativos na avaliação diagnóstica. Por isso, na maioria das situações são necessários mais exames. A escolha destes exames depende do tipo de reação:
- As reações imediatas podem ser estudadas com testes cutâneos por picada (os mais conhecidos testes alérgicos). Quando os testes cutâneos por picada são negativos realizam-se testes intradérmicos;
- Para as reações não imediatas, podem ser realizados testes epicutâneos (com selos de colar nas costas). Estes testes são importantes no estudo da dermatite de contacto alérgica provocada por medicamentos tópicos (em pomada ou creme), mas podem também ser realizados em doentes com outras queixas de pele. Devem ser feitos entre 6 semanas a 6 meses após terminarem os sintomas. Os resultados destes testes só são conhecidos após 48 a 96h (ou 7 dias na suspeita de reação a corticosteroides) e a interpretação dos resultados requer experiência, por isso devem ser realizados por médico alergologista (especialista em alergologia)! Outra opção no caso das reações não-imediatas é ler mais tarde o resultado dos testes intradérmicos.
No caso da suspeita de alergia aos medicamentos, são poucas as análises de sangue que têm interesse, são muito poucos os medicamentos que têm esta análise disponível.
Quando temos casos suspeitos de alergia a medicamentos, mas em que os testes disponíveis deram resultados negativos, devemos fazer uma prova de provocação com o medicamento. Este procedimento pode ser necessário para esclarecer tanto as reações imediatas como as reações tardias. Esta prova pode confirmar ou excluir uma alergia. Resultados negativos nesta prova confirmam que o doente tolera atualmente o medicamento, e, portanto, é considerado como não tendo alergia a esse medicamento. As provas de provocação são necessárias também para identificar medicamento alternativo que o doente possa tomar com segurança.
Existem ainda outros testes de laboratório (teste de ativação de basófilos e teste de transformação linfocitária) mas não estão ainda disponíveis para utilização rotineira na prática clínica.
Em caso de dúvida NÃO deve repetir o tratamento medicamentoso para confirmar se foi alergia! Quando suspeita de reação alérgica deve falar com o seu médico e ele decide quais os procedimentos necessários a fazer e sempre conduzidos por ele. Uma segunda exposição ao mesmo medicamento, se realmente se trata de uma alergia, pode desencadear uma reação muito mais grave e mais rápida, que pode mesmo pôr a vida em risco.
O rastreio de indivíduos sem história prévia de reações alérgicas a medicamentos, mesmo com antecedentes familiares, não é recomendado.
Riscos na alergia medicamentosa
Habitualmente não é valorizada como uma doença perigosa, mas na verdade pode ser fatal (risco de morte)! A apresentação clínica da alergia a medicamentos pode ir de ligeira a muito grave.
Por exemplo, a alergia a medicamentos é umas das principais causas de anafilaxia em adultos. Outras situações graves incluem as doenças bolhosas (como o necrólise epidérmica tóxica, Síndrome de Stevens-Johnson), vasculite, envolvimento de órgãos internos incluindo hepatite, insuficiência renal, pneumonite, anemia, neutropenia e trombocitopenia.
Saiba, aqui, tudo sobre anafilaxia.
Porque é importante o diagnóstico?
A ausência de diagnóstico destas reações implica riscos para o doente porque podem ocorrer reações graves. Por outro lado, a incerteza deixa a pessoa ansiosa e preocupada de cada vez que lhe prescrevem um medicamento, sem saber se vai ter reação!
Além disso, mais de metade dos casos de suspeita de alergia medicamentosa não se confirma. Muitas vezes acontecem “manchas na pele” e borbulhas e comichões quando se estão a tomar medicamentos e que são parte da própria doença que estamos a tratar, mas que se interpretam erradamente como reações alérgicas. Esta situação prejudica os doentes porque esses falsos diagnósticos de “alergia” influenciam escolhas dos médicos nos tratamentos futuros: são frequentemente escolhidos em alternativa medicamentos mais tóxicos, por vezes menos indicados para a condição clínica e que podem ser prejudiciais para o doente, por exemplo no caso de antibióticos por se aumentar a taxa de resistências das bactérias.
Atendendo às particularidades da alergia a medicamentos, todos os casos suspeitos devem ser encaminhados para uma consulta de alergologia. Reduzem-se custos, evitam-se restrições de medicamentos desnecessárias, diagnostica-se rapidamente, oferecem-se alternativas de medicamentos seguros e programa-se o tratamento de episódios agudos...
A alergia aos medicamentos tem cura?
O nosso organismo “não se esquece” da alergia aos medicamentos e esta não desaparece nem passa ao longo da vida!
Portanto, em situações de alergia a medicamentos, recomenda-se evitar permanentemente o medicamento implicado e os medicamentos com reatividade cruzada. É fundamental que conheça o medicamento a que é alérgico! O médico Alergologista ajuda a encontrar medicamentos alternativos seguros.
Em alguns doentes com diagnóstico de alergia a medicamentos em que não existam alternativas seguras e igualmente eficazes, é possível proceder a dessensibilização, permitindo assim a administração segura do medicamento necessário, sem reações adversas. Este procedimento tem sido utilizado com sucesso em reações imediatas, com diferentes mecanismos, mas não é uma cura, a tolerância é apenas temporária.
O que fazer se suspeitar de uma reação?
Deve consultar um médico! Deve parar de imediato de tomar o(s) medicamento(s) de que suspeita, e usar medicamentos alternativos. A reação alérgica desaparece, em geral, quando se pára o medicamento, mas pode precisar de tratamento específico para aliviar os sintomas e ajudar a resolver mais rápido.
A anafilaxia deve ser tratada imediatamente e de forma apropriada. Se reação menos grave, o medicamento suspeito poderá eventualmente ser mantido se o médico considerar que os benefícios do tratamento são maiores que os riscos, mas sempre bem ponderado caso-a-caso e se não estiverem presentes sinais de perigo/gravidade.
Saiba, aqui, tudo sobre o tratamento da anafilaxia.
Deve registar os medicamentos e se possível tirar fotografias das lesões, para permitir fornecer uma informação mais correta ao médico alergologista.
Não existe nenhum remédio caseiro ou natural com eficácia comprovada no tratamento, pelo que o doente nunca deve automedicar-se sob pena de poder agravar o seu estado de saúde.
O que posso fazer para prevenir outra reação?
Deve marcar uma consulta com um Imunoalergologista, de forma a fazer os exames necessários para um diagnóstico correto. Mas e enquanto esse momento não chega? Deve avisar todos os médicos que lhe receitarem medicamentos de que existe essa suspeita. Mesmo assim, deve ter cuidado ao tomar e ler atentamente a informação para excluir a presença do princípio ativo a que suspeita ser alérgico.
Não deve ser esquecido que o medicamento em causa pode existir nas mais diversas formas de apresentação terapêutica.
Medidas preventivas através do uso de pré-medicação (p. ex.: medicamentos ou remédios anti-alérgicos) são úteis sobretudo para reações de hipersensibilidade não-alérgicas, mas podem não ser fiáveis na prevenção de alergia IgE-mediada.