A alergia aos mariscos é uma reação adversa imunológica (do sistema imunológico), sendo a alergia alimentar mais frequente nos adultos. O camarão (gambas) é o tipo de marisco que mais frequentemente é associado às alergias, uma vez que é dos mariscos mais consumidos entre a população. No entanto, muitos outros tipos de marisco podem causar alergia.
Marisco é uma designação culinária que engloba diferentes animais invertebrados aquáticos comestíveis, geralmente de água salgada. Existem diversos tipos de marisco. A maioria dos mariscos pertencem ao grupo dos crustáceos ou ao grupo dos moluscos, mas também se incluem animais de outros grupos, como por exemplo equinodermes.Podemos classificar os mariscos em:
1. Crustáceos
- Gamba / camarão;
- Lagosta;
- Lagostim;
- Percebes;
- Sapateira;
- Caranguejo;
- Santola;
- Lavagante.
2. Moluscos
Moluscos bivalves:
- Amêijoa;
- Mexilhão;
- Berbigão;
- Vieira;
- Conquilha;
- Ostra.
Moluscos cefalópodes:
- lula;
- polvo;
- choco.
Moluscos univalves ou gastrópodes:
- lapa;
- búzios;
- caramujo;
- Caracol
3. Equinodermes
- Ouriço do mar
O caracol de terra é um molusco gastrópode comestível, mas não é considerado um marisco porque não é aquático.
A alergia ao marisco é uma reação adversa, imunológica. Os mariscos são muito apreciados em Portugal e são uma causa frequente de alergia alimentar, sobretudo em adultos.
A alergia ao camarão e outros crustáceos é mais frequente do que a alergia a moluscos, mas ambas podem ser muito graves. No entanto, os mariscos podem provocar outro tipo de reações adversas, tóxicas, por estarem contaminados com microrganismos ou toxinas. Os microrganismos responsáveis podem ser bactérias ou vírus (Staphylococcus aureus, vírus da hepatite A, etc.). Em geral, nestas situações de reação tóxica, os sintomas predominantes são gastrointestinais e surgem algumas horas após ingerir o marisco.
Algumas toxinas, presentes em certos tipos de algas de que os mariscos se alimentam, podem causar sintomas neurológicos e respiratórios. Os quadros clínicos mais frequentes são intoxicação diarreica por marisco, intoxicação paralisante por marisco e intoxicação amnésica por marisco.
A alergia por mariscos deve-se maioritariamente a umas proteínas designadas tropomiosinas, que se encontram no corpo destes animais. São proteínas termoestáveis, isto é, resistentes ao calor. Isto quer dizer, do ponto de vista prático, que ingerir marisco cozinhado não é mais seguro do que o marisco cru, porque as proteínas mantêm a sua capacidade alergénica mesmo quando o marisco é cozido ou grelhado. Estas proteínas podem mesmo ser transportadas pelo ar no vapor de cozedura e, por isso, é que algumas pessoas têm reações alérgicas que podem ser mesmo muito graves, sem chegarem a comer - basta entrarem numa marisqueira ou numa cozinha onde se está a cozer marisco.
As tropomiosinas estão presentes em todos os mariscos, por isso, é frequente as pessoas que possuem alergia ao camarão, progressivamente começarem a sentir sintomas também com outros crustáceos, ou bivalves, ou cefalópodes…. Porém, existem outras proteínas que são específicas de cada espécie e que por esse motivo não provocam alergia aos outros mariscos. Esclareça-se bem com o seu Médico Alergologista.
As tropomiosinas também estão presentes em outros animais, nomeadamente os ácaros ou as baratas. Por isso, algumas pessoas começam por ter alergia respiratória aos ácaros por exemplo, e mais tarde desenvolvem alergia alimentar aos mariscos - este fenómeno chama-se síndrome de reatividade cruzada ácaros-marisco.
O anisakis simplex é um parasita que na sua forma adulta infeta mamíferos marinhos. Durante o ciclo de vida do anisakis simplex, as larvas desenvolvem-se em vários animais marinhos. Podemos ingerir este parasita inadvertidamente ao ingerir peixes ou mariscos contaminados pelas larvas. Podem acontecer reações alérgicas devidas a este parasita. Será sempre fundamental distinguir das reações alérgicas ao peixe ou ao marisco em si.
Outras alergias alimentares
Regra geral, existe significativa reatividade cruzada entre os vários tipos de marisco, pelo que quem tem alergia a uma espécie de marisco deve evitar todas as espécies dessa classe. Cerca de 75% dos doentes alérgicos a crustáceos reagem com várias espécies de crustáceos, por isso, por exemplo quem tem alergia a camarão não pode comer lagosta. A situação clínica mais frequente é a alergia simultânea a vários crustáceos e moluscos, mas são possíveis quaisquer combinações: alergia só a crustáceos; crustáceos e todo o tipo de moluscos; crustáceos e bivalves; cefalópodes e bivalves; etc.. Deve sempre esclarecer esta questão com o seu Alergologista, porque há também exceções.
Não existe reatividade cruzada entre marisco e peixe, são alergias independentes. As proteínas que provocam alergia nos dois casos são totalmente diferentes. Por vezes, pode haver necessidade de testar as duas, se o doente tiver tido reação após ingerir os dois alimentos na mesma refeição. São ambas alergias frequentes na nossa população. Na verdade, em Portugal, os alimentos mais alergénicos de origem animal, isto é, que mais provocam alergias são: o leite, o ovo, peixe e mariscos.
Porque acontece a alergia ao marisco?
Como acontece, aliás, em todo o tipo de alergias, é frequente ocorrer um primeiro contacto que não apresenta perigo. Nesta situação, o marisco atua como sensibilizante, ou seja, como que prepara o indivíduo para ser alérgico, sendo que as reações acontecem nas ingestões futuras. A alergia ao marisco é comum entre as populações que o consomem habitualmente, como é o caso de Portugal.
É importante também referir que pessoas que trabalham na indústria do marisco podem desenvolver alergias cutâneas ou respiratórias, que nesse caso se vão manifestar no local de trabalho. Este tipo de alergias tem vindo a aumentar porque o consumo de peixe e mariscos também tem aumentado e, por isso, existem mais trabalhadores neste setor.
Não existem indicações para restringir a ingestão de marisco durante a gravidez devido a questões alérgicas. A mulher grávida pode comer camarão, embora nesses casos deva ficar mais alerta em relação a uma possível intoxicação alimentar.
Alergia ao marisco - sinais e sintomas
As manifestações clínicas das reações alérgicas aos mariscos são similares às que se observam na alergia a outros alimentos. Os sintomas começam pouco tempo após a ingestão, ou mesmo só com inalação de vapores de cozedura. Tipicamente inicia-se por sintomas cutâneos com comichão ou “coceira”, alergia na pele, urticária (borbulhas, manchas vermelhas) ou outras manchas na pele, frequentemente, acompanhadas de edema.
Também podem surgir sintomas digestivos (dor abdominal, náuseas, vómitos, diarreia) e/ou respiratórios, por exemplo de nariz, com espirros, rinorreia aquosa (“pingo”), conjuntivite ou mesmo tosse, que pode avançar para rouquidão, dificuldade em respirar e em engolir. Estes últimos são sintomas graves que não devem ser descurados, devendo ser avaliados pelo médico.
Podem aparecer reações muito graves, com envolvimento de vários órgãos (anafilaxia) e risco de morte. Os doentes com asma têm um risco maior de terem reações graves.
De salientar que estes sintomas não são exclusivos da alergia ao marisco, podendo também suceder na alergia a quaisquer alimentos. Não existem sintomas exclusivos da alergia ao marisco e, por isso, é essencial perceber a associação temporal de aparecimento destes sintomas após ingestão do marisco e a reprodutibilidade, ou seja, a ocorrência sempre que existe contacto.
A alergia ao marisco surge rapidamente após o contacto com o marisco, habitualmente uns minutos depois e no máximo 1 hora. A duração da sintomatologia também é breve e resolve-se pouco tempo após, de forma natural ou com recurso a tratamento.
Em que idade se manifesta a alergia?
A alergia ao marisco é habitualmente uma alergia tardia na vida, mais frequente em adultos do que em idade infantil. Porém, quando surge na criança, habitualmente é grave e persistente.
Na infância é habitual recomendar-se a introdução de marisco na dieta apenas após os 3 anos e, por isso, habitualmente não se encontra esta alergia mais cedo. No bebé de meses, só se houver alguma contaminação ou ingestão acidental.
Aliás, no que diz respeito à alergia alimentar é importante frisar que existem diferenças entre crianças e adultos:
- Na criança, os alimentos mais comuns são o leite, ovo, peixe e cereais, enquanto nos adultos são o marisco (que geralmente inclui crustáceos e moluscos), os frutos frescos, os frutos secos ou de casca rija, o amendoim e algumas sementes;
- A maioria das crianças com alergia alimentar deixa de ter sintomas ao fim de alguns anos enquanto a alergia alimentar nos adultos tende a persistir a vida inteira.
Saiba, aqui, tudo sobre alergias alimentares.
Diagnóstico da alergia ao marisco
A metodologia diagnóstica, no caso da alergia ao marisco, é semelhante ao que acontece noutras alergias alimentares. Deve existir suspeita de alergia ao marisco em pessoas que exponham os sintomas já descritos pouco tempo após a ingestão do marisco. Estes casos devem ser conduzidos à consulta de Imunoalergologia, onde o Médico Alergologista dispõe dos métodos para confirmar ou excluir o diagnóstico.
O diagnóstico inicia-se através de uma consulta médica com entrevista clínica pormenorizada, com a caracterização da reação, forma de contacto com o marisco (ingestão, cozinhado ou cru, contacto cutâneo, apenas inalação de vapores...), número de reações, ingestões prévias, evolução de reações, etc.. Esta fase é essencial para o médico alergologista (especialista em alergologia) saber estimar a probabilidade de ser de facto uma alergia.
Caso haja suspeita de alergia IgE-mediada, o teste cutâneo e as análises de sangue são indispensáveis para certificar a situação.
Se com a história clínica ou com os testes cutâneos ainda restarem dúvidas, pode ser indispensável efetuar o teste de provocação oral. Este exame é feito com recurso à administração de quantidades crescentes de marisco ao longo de algumas horas, com intervalos regulares de tempo, de forma a avaliar se ocorre alguma reação. A prova de provocação oral não é isenta de riscos, os doentes podem ter reações. Sendo assim, é essencial realizar este exame em centros hospitalares que disponham de condições de segurança e sempre com médico e enfermeiro treinados e com experiência em alergia alimentar e em tratar reações alérgicas.
Pode haver necessidade de testar outras alergias por se tratar de uma situação em que o doente ingeriu vários alimentos (por exemplo, arroz de peixe e mariscos) ou na suspeita de alergia ao parasita anisakis.
Complicações da alergia alimentar
A alergia ao marisco pode causar anafilaxia, uma reação tão grave (ou severa) que pode ser fatal (risco de morte), mesmo com quantidades muito reduzidas (vestígios). A alergia alimentar é, sem dúvida, a causa mais frequente de anafilaxia nas crianças, podendo levar à morte. Frequentemente, estes quadros graves são desencadeados quando o marisco se encontra escondido na alimentação (oculto), por exemplo em molhos usando a base de preparação em pó de sopa de marisco. É por isso que, em casa, na escola, nos restaurantes e bares, deve-se sempre questionar a pessoa responsável pelos alimentos relativamente à sua preparação e alertar para os riscos de uma ingestão acidental.
Apresentar análises de sangue contendo a IgE específica positiva para o marisco pode acontecer em doentes com alergia respiratória aos ácaros, pelo fenómeno de reactividade cruzada que já descrevemos, mas nem sempre isso significa que a pessoa desenvolva alergia verdadeira aos mariscos. Denomina-se sensibilização e pode não apresentar sintomas, sendo por isso assintomática. Daí que, possa não ser necessário eliminar o marisco, devendo, no entanto, confirmar o diagnóstico com um Médico Imunoalergologista.
Tendo em consideração as particularidades da alergia alimentar, todas as ocorrências suspeitas ou confirmadas devem ser conduzidas para uma consulta de Alergologia. Assim, diminuem-se os custos, evitam-se restrições alimentares inúteis, diagnostica-se com rapidez, oferecem-se opções dietéticas adaptadas e programa-se o tratamento de episódios agudos. Deste modo, tranquiliza-se o doente, a sua família e a restante equipa de saúde.
No caso da alergia ao marisco, como não se trata de um alimento com valor nutricional fundamental na nossa alimentação, evitar a sua ingestão não resulta em perigo de complicações nutricionais.
A alergia ao marisco tem cura?
Não, sendo tipicamente uma situação que persiste toda a vida. Saiba, de seguida, como tratar a alergia ao marisco.
Alergia ao marisco - tratamento
Excluir o marisco da dieta é o único tratamento eficaz. No caso de pessoas muito sensíveis é importante afastar também vapores de inalação. Nesse contexto, será prudente não frequentar marisqueiras ou restaurantes especializados em peixes e produtos do mar.
É essencial que os doentes, suas famílias e cuidadores na escola se encontrem bem treinados para saber identificar os sinais e sintomas de reação alérgica que podem surgir após uma ingestão acidental ou inadvertida de marisco, ou em situações de alergénio oculto, e saber como tratar. O tratamento medicamentoso visa aliviar os sintomas e acabar com a reação. Para tal, são usados medicamentos ou remédios anti-alérgicos (anti-histamínicos ou corticóides orais), que o doente deve tomar sempre de acordo com a prescrição do médico. Nos casos de reações alérgicas graves (anafilaxia) os doentes devem-se munir de um estojo de emergência com adrenalina para auto-administração (“caneta de adrenalina”). Existem canetas com doses para crianças e adultos.
Não existe nenhum remédio caseiro ou natural que resolva a alergia ao marisco ou elimine os sintomas. O doente nunca se deve automedicar, pois pode agravar o quadro clínico e até colocar a sua vida em risco.
Cuidados com a alimentação
É frequente a reatividade cruzada entre as várias famílias de mariscos, o que implica evitar vários ou todos na alimentação. Regra geral, quem tem alergia a uma espécie de marisco deve evitar todas as espécies dessa classe. Por exemplo, se tem alergia ao camarão, como regra, deve evitar todos os crustáceos. Se tem alergia à amêijoa deve evitar todos os moluscos e assim por diante. Pelo contrário, muitos doentes alérgicos aos crustáceos comem moluscos sem problema (e vice-versa). Porém, nem sempre é assim, e vale a pena aconselhar-se com o Alergologista. As restrições devem ser guiadas pelo Médico, de acordo com os dados obtidos nos exames de sangue e testes cutâneos, e eventuais testes de provocação oral. Cada caso é um caso, e existem várias exceções e níveis de gravidade diferentes, pelo que o seu alergologista poderá dar-lhe indicações mais específicas.
As proteínas do marisco também passam para a água de cozedura. Este fenómeno acontece com o marisco, tal como com muitos outros alimentos. Por isso, não arrisque! Para os doentes alérgicos não é seguro aceitar comida que possa estar “contaminada” com aquilo que lhe faz mal. Lembre-se que por exemplo o arroz de peixe pode ter sido preparado com a água de cozer marisco! Várias bases de molhos podem conter marisco. É fundamental ler os rótulos dos produtos e questionar nos restaurantes sobre a forma e ingredientes de preparação.
Relativamente à alergia ao Anisakis simplex, as reações alérgicas só ocorrem se o parasita for ingerido vivo, pelo que se podem prevenir se for erradicado antes de ingerir os alimentos. Existem duas possibilidades para isso: ingerir peixe e marisco congelado a -20º por um período mínimo de 24 horas (preferível 72 horas); cozinhar os alimentos a mais de 60º durante mais de 10 minutos. Peixes e/ou mariscos preparados no microondas ou grelhados muitas vezes não são seguros por não se alcançar a temperatura suficiente. É obrigatório que todos os alimentos que se destinam a ingestão crus ou semi-crus (em sushi, sashimi, ceviche, escabeches, marinados, etc.) tenham sido previamente congelados, mas é difícil garantir que todos os restaurantes cumprem esta norma.