A insuficiência renal consiste na deterioração da função renal. A doença pode ser crónica ou aguda. Trata-se de uma doença crónica se a perda de função renal se instala lentamente e evolui há mais de três meses, podendo ser aguda se a sua instalação é inferior a esse período.
A creatinina sérica é um marcador simples da função dos rins. Valores elevados de creatinina, acima de 1.2 mg/dl nos adultos ou de 0.8 mg/dl nas crianças com mais de 5 anos, indicam insuficiência renal. Tal como a creatinina, existem outras substâncias (por exemplo, a ureia, o potássio e o fósforo) que por deficiência de filtração “renal” (glomerular) aumentam no sangue.
Frequentemente os doentes renais questionam se têm só um rim com deficiência (unilateral) ou se são os dois (bilateral). As situações de insuficiência renal aguda ou crónica implicam deficiência dos dois rins. Se um dos rins estiver a funcionar normalmente compensa a deficiência do outro, aumentando mesmo a sua dimensão (rim vicariante). Um bom exemplo disso mesmo é o transplante renal em que se insere apenas um rim em cada receptor, alcançando uma função renal “normal” nas situações em que o procedimento decorre dentro da normalidade.
A fase mais avançada da insuficiência renal, quando o “rim pára de funcionar” (insuficiência renal terminal ou final), implica a substituição da função renal por diálise (hemodiálise ou diálise peritoneal) ou, eventualmente, por transplante renal. Veja mais informação em tratamento da insuficiência renal.
A insuficiência renal é uma doença frequente, sendo responsável por gastos consideráveis e crescentes nos orçamentos de saúde. Apresenta um amplo leque de alterações clínicas e analíticas que exigem a implementação de estratégias para a sua prevenção, deteção precoce e tratamento. Neste sentido, as sociedades de nefrologia, nacionais e internacionais, têm sido proativas.
Insuficiência renal aguda
Dizemos que estamos perante uma insuficiência renal aguda quando a sua instalação é relativamente precoce, inferior a três meses. Pode ser reversível, se for tratada de forma adequada e atempada.
A insuficiência renal crónica agudizada consiste na instalação de uma insuficiência renal aguda num doente com insuficiência renal crónica.
Insuficiência renal crónica
Dizemos que estamos perante uma insuficiência renal crónica (IRC) quando é possível determinar que já existia insuficiência renal há mais de três meses.
A denominação desta entidade foi alterada para doença renal crónica já que existem situações de doença/lesão renal sem insuficiência. São exemplos dessas situações:
- Albuminúria/ proteinúria;
- Alterações do sedimento urinário;
- Alterações ecográficas renais;
- Lesões anátomo-patológicas renais em biópsia renal ou até um transplante renal.
Estádios de insuficiência renal crónica
A doença renal crónica apresenta vários estádios ou fases, causas e graus de albuminúria. Os estádios de insuficiência renal crónica são os seguintes:
Estádio 1 - Filtrado glomerular >= 90 - função renal normal ou elevada;
Estádio 2 - Filtrado glomerular de 60 a 89 - função renal com diminuição ligeira ou leve;
Estádio 3a - Filtrado glomerular de 45 a 59 - função renal com diminuição ligeira a moderada;
Estádio 3b - Filtrado glomerular de 30 a 44 - função renal com diminuição moderada a severa;
Estádio 4 - Filtrado glomerular de 15 a 29 - função renal com diminuição severa;
Estádio 5 - Filtrado glomerular <15 - Falência renal (adicionar D se o doente se encontra em diálise).
Valores de Filtrado glomerular em (mL/min/1.73 m2).
Fisiopatologia da Insuficiência renal
A fisiopatologia da insuficiência renal, aguda ou crónica, pode ter diversos níveis. Se a patologia que danifica os rins se encontra “antes” dos rins, é denominada como insuficiência renal de causa pré-renal, como por exemplo nos casos associados a insuficiência cardíaca ou a depeleção de volume nos vasos.
Por sua vez, se a patologia é intrínseca aos rins, como é o caso da glomerulonefrite ou da pielonefrite agudas, a insuficiência renal é considerada de causa renal.
Finalmente, se a causa de insuficiência renal se relaciona com obstrução da drenagem urinária, como por exemplo na hipertrofia da próstata, denomina-se pós-renal.
Saiba, de seguida, quais são os sintomas da insuficiência renal.
Sintomas na insuficiência renal
Os sinais e sintomas de insuficiência renal são geralmente tardios, pelo que surgem nos estádios mais avançados da doença renal crónica. Podem resultar da diminuição de filtração glomerular, como os edemas (inchaço), a diminuição da eliminação urinária ou a hipertensão arterial.
No estádio 4, ou de forma mais comum no estádio 5, podem surgir sinais ou sintomas mais evidentes, como:
- Fraqueza generalizada (astenia);
- Falta de apetite (anorexia);
- Náuseas;
- Vómitos;
- Alterações do sistema nervoso central (lentidão do raciocínio, sonolência e raramente crises convulsivas).
Estes sintomas iniciais da insuficiência renal crónica são explicados aos doentes que já se encontram em seguimento nas consultas de nefrologia. Em grande parte dos casos, no entanto, a doença renal é detetada em análises de rotina sem suspeita prévia da sua existência.
Em Portugal, os casos de insuficiência renal crónica que são diagnosticados apenas no estádio 5, em recurso ao serviço de urgência para início de hemodiálise de forma emergente, têm diminuído. Esta melhoria deve-se fundamentalmente à melhoria dos cuidados de saúde primários com referenciação atempada às consultas de nefrologia.
Causas da insuficiência renal
As causas da insuficiência renal são múltiplas e variam em função da faixa etária. Como exemplo elucidativo, refere-se a etiologia das doenças renais crónicas que conduziram ao início de diálise regular no nosso país em 2015 de 2274 indivíduos (dados do registo da Sociedade Portuguesa de Nefrologia): diabetes mellitus 33.9%, hipertensão arterial 13.1%, glomerulonefrite crónica 11.2%, poliquistose 4.9%, hipoplasia/displasia renal 0.7%, outras causas 18.5% e causas desconhecidas 17.7%.
As crianças só atingem uma função renal “normal” aos dois anos de idade pelo que abaixo dessa idade a classificação de insuficiência renal crónica nos estádios referidos acima não se pode aplicar. Um estudo prospetivo baseado na população pediátrica italiana (ItalKid project), em que a doença renal crónica foi definida como uma depuração de creatinina inferior a 75 mL/minuto por 1.73 m2, encontrou uma incidência e prevalência anuais médias de 12.1 e 74.7 casos por milhão de crianças e adolescentes até aos 20 anos de idade, respetivamente.
A grande maioria de casos de insuficiência renal infantil ou insuficiência renal na criança em estádios iniciais são, em geral, relacionados com doenças renais congénitas. No entanto, as causas de falência renal na pediatria, com necessidade de diálise ou transplante renal, também incluem doenças glomerulares.
Diagnóstico da insuficiência renal
O diagnóstico de insuficiência renal pode ser realizado pelos médicos de família, levando em consideração alguns aspectos, a saber:
- A ausência completa de diurese (anúria) não é uma característica da insuficiência renal crónica mas sim da insuficiência renal aguda ou da insuficiência renal crónica agudizada;
- A elevação da creatinina e da ureia sérica são características da insuficiência renal;
- Para melhor caraterização do estádio da insuficiência renal crónica utiliza-se a depuração de creatinina com recurso a recolha de urina de 24 horas (determinação de volume e da creatinina urinária) e de sangue (determinação da creatinina sérica): depuração de creatinina= creatinina urinária (mg/dl)/creatinina sérica (mg/dl) X volume da urina de 24 horas (ml)/1440 (minutos). É expressa em ml/minuto (valores normais: homens > 90 ml/minuto; mulheres > 80 ml/minuto). Também se podem utilizar fórmulas para calcular a depuração de creatinina evitando a recolha de urina de 24 horas que frequentemente não é efetuada de forma correta ou não é exequível;
- Os sinais e sintomas de doença renal crónica devem conduzir a uma avaliação da função renal (creatinina e ureia séricas, bem como a depuração de creatinina com recurso a fórmulas matemáticas ou com recolha da urina de 24 horas como já se descreveu);
- Valores elevados de potássio sérico não são indispensáveis ao diagnóstico;
- Outras alterações analíticas comuns da doença renal crónica em estádios avançados (3 a 5) são a anemia, acidose metabólica, baixa do cálcio sérico e elevação da paratormona;
- A análise sumária de urina pode revelar albuminúria e o sedimento urinário pode apresentar alterações como hematúria e cilindros eritrocitários;
- A ecografia renal é o exame indicado para avaliação imagiológica inicial na suspeita de doença renal crónica. Pode revelar diminuição de tamanho dos rins, embora na diabetes mellitus essa alteração possa não existir mesmo em estádios avançados de IRC. Outra alteração ecográfica típica da doença renal crónica é a diminuição de diferenciação entre o córtex e a medula renal. Surgindo múltiplos quistos renais bilaterais podemos estar em presença de uma doença poliquística.
A referenciação precoce do paciente com insuficiência renal crónica às consultas de nefrologia tem-se repercutido numa melhoria do seu seguimento, com implicações no atraso da sua progressão bem como na terapêutica adequada das diversas complicações da insuficiência renal crónica.
Complicações da insuficiência renal
As complicações da insuficiência renal são variadas, desde alterações hídricas e electrolíticas como a elevação do potássio sérico, acidose metabólica, hiper-hidratação (edemas, hipertensão arterial, congestão pulmonar), hipocalcemia e hiperfosfatemia.
Outros sinais e sintomas da insuficiência renal já foram previamente descritos, como sejam: anorexia, náuseas, vómitos e astenia. Estas alterações têm como consequência a desnutrição do doente insuficiente renal, com frequência.
A doença óssea metabólica associada a insuficiência renal crónica é frequente e manifesta-se por alterações do metabolismo do fósforo e do cálcio mas também por alterações estruturais dos ossos e das artérias, com destaque para a osteodistrofia e a calcificação das artérias coronárias, respetivamente.
Insuficiência renal tem cura?
A insuficiência renal crónica não tem “cura”. É muito importante e decisivo para o atraso da sua progressão e correto manuseamento, uma referenciação precoce às consultas de nefrologia.
Já a insuficiência renal aguda pode ter “cura”. Nos casos de insuficiência renal aguda de origem tóxica (fármacos ou intoxicações), torna-se fundamental cessar a sua administração. Os anti- inflamatórios não esteróides, por exemplo, são uma causa frequente de insuficiência renal aguda.
Tratamento da insuficiência renal
O tratamento da insuficiência renal é diferenciado dependendo se a insuficiência é aguda ou crónica e do seu estádio ou evolução.
Após a deteção de insuficiência renal crónica devem ser instituídas medidas para atrasar a sua progressão:
- Controlo da hipertensão arterial;
- Utilização de fármacos específicos para redução da proteinúria (inibidores da enzima de conversão da angiotensina ou bloqueadores da angiotensina II);
- Evitar nefrotóxicos e de produtos de contraste intravenosos;
- Alterações na dieta, através de restrição no consumo de proteínas (carne, o peixe, leite e derivados).
- Deixar de fumar;
- Tratamento de valores elevados do colesterol;
- Tratamento da acidose metabólica com bicarbonato oral.
A abordagem terapêutica (medicamentos ou remédio) da insuficiência renal crónica “pré-dialítica” (estádios 1 a 4) é múltipla porque se dirige a patologias e complicações diversas, já referidas. Deve ser orientada por nefrologistas, pelo menos dos estádios 3 ao 5.
A insuficiência renal aguda é uma entidade que pode ser diagnosticada em ambulatório, mas em quase todas as situações relevantes os doentes encontram-se internados no hospital. A medicação efetuada nestes casos é, em muitos casos, idêntica à da IRC.
O tratamento da insuficiência renal aguda grave e da insuficiência renal crónica estádio 5 pode implicar um tratamento de substituição da função renal, a diálise (hemodiálise ou diálise peritoneal).
No contexto da insuficiência renal aguda com implicação dialítica, a terapêutica mais habitual é a hemodiálise. Em ambiente de cuidados intensivos pode ser necessário utilizar outras formas de diálise, como por exemplo a hemofiltração.
O tipo de diálise regular na insuficiência renal crónica estádio 5D deve ser decidida pelo próprio doente em consultas de nefrologia específicas. As opções mais habituais são a hemodiálise em centro privado ou a diálise peritoneal domiciliária. Em Portugal, segundo o registo da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, existiam 11514 doentes em hemodiálise e 751 em diálise peritoneal em 31/12/2015.
A transplantação renal é considerada, no entanto, a melhor terapêutica da insuficiência renal crónica estádio 5. Segundo o referido registo de 2015 existiam em Portugal 6663 doentes com transplante renal funcionante. Nesse mesmo ano receberam um transplante renal 485 doentes.
Transplante na insuficiência renal
O transplante renal implica uma cirurgia (operação) para a colocação de um rim de cadáver ou de um dador-vivo numa das fossas ilíacas. Esse espaço é considerado o espaço “divino” para este procedimento, dado que permite a vascularização e drenagem urinária do transplante com proximidade adequada em relação aos vasos ilíacos e bexiga do receptor.
Este procedimento implica necessariamente o consentimento informado do doente.
O transplante renal possui diversas vantagens, que se traduzem fundamentalmente numa melhor qualidade e quantidade de vida em comparação com a diálise, para recetores com idade inferior a 70 anos. No entanto, implica a utilização crónica de imunossupressores, pelo que se associa a algumas complicações como o risco aumentado de infeções e de neoplasias.
Dieta para insuficiência renal
A nutrição na doença renal crónica obedece a orientações gerais, mas fundamentalmente deve ser individualizada.
Nos casos de insuficiência renal aguda ou crónica com elevação de potássio sérico (risco de toxicidade cardíaca) a dieta inclui restrição de alimentos ricos nesse elemento como o feijão e as frutas. A sopa deve ser fervida em duas águas. As outras terapêuticas que removem potássio do sangue são a resina troca iões e a diálise.
Numa tentativa de atrasar a progressão da doença renal crónica existem estudos relevantes que valorizam a restrição dietética de proteínas (carne e peixe, por exemplo).
Existem outras alterações metabólicas que exigem a dieta individualizada na doença renal, como a hiperfosfatemia e a hiperuricemia. Assim, não é possível definir um “menu à la carte” para todos os doentes renais, ou seja, o plano alimentar deve ser individualizado e estipulado pelo médico nefrologista e pelo nutricionista para cada doente.
Como prevenir a insuficiência renal?
A insuficiência renal pode ser prevenida, essencialmente através das seguintes medidas:
- Alteração do estilo de vida para prevenção de causas frequentes da insuficiência renal crónica, como a diabetes do tipo 2 ou a doença cardiovascular incluindo a hipertensão arterial;
- A obesidade (excesso de peso) também pode estar associada com a insuficiência renal crónica. Deve ser alterado o estilo de vida de modo a evitar a obesidade;
- Evitar a exposição a fármacos nefrotóxicos, com destaque para os anti-inflamatórios não-esteróides.
Especialista em insuficiência renal
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