A nefropatia diabética define-se por alterações renais estruturais e funcionais dos rins. As primeiras são a expansão mesangial, o espessamento da membra basal, lesão podocitária e finalmente a esclerose glomerular. As alterações funcionais da nefropatia diabética são a albuminúria, hematúria (menos frequente) e a doença renal crónica progressiva. A progressão da doença renal crónica por nefropatia diabética pode ser atrasada com medidas terapêuticas e alterações no estilo de vida e dietéticas.
A nefropatia diabética ocorre na diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2, com evolução temporal semelhante. Obviamente, instala-se em idades mais jovens na diabetes mellitus tipo 1. O início da diabetes mellitus tipo 2 é mais difícil de delimitar o que também dificulta a determinação do tempo até à instalação da nefropatia diabética.
A qualidade do tratamento da diabetes e das suas complicações influencia de forma direta o aparecimento e progressão da nefropatia diabética.
Epidemiologia na diabetes mellitus
Em 2014 a Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou que o número de pessoas diagnosticadas com diabetes tenha aumentado de 108 milhões em 1980 para 422 milhões, correspondendo a uma prevalência de 8,5% em pessoas acima dos 18 anos de idade. Em Portugal um estudo de base populacional (PREVADIAB), realizado em 2009 com o objetivo de estimar a prevalência de diabetes em Portugal encontrou uma prevalência de 11,7% no grupo populacional dos 20 aos 79 anos. Por extrapolação e contabilizando o envelhecimento populacional, esse estudo permitiu projetar uma prevalência de 13,1% de Diabetes para 2015 no nosso país.
O primeiro Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico (INSEF) à população residente em Portugal, com idade compreendida entre os 25 e os 74 anos, em 2015 estimou a prevalência geral de diabetes em 9,9% (IC95%: 8,4; 11,5), sendo mais elevada nos homens do que nas mulheres (12,1% vs 7,8%). As causas deste aumento são complexas mas, em parte, relacionam-se com a epidemia de obesidade e de reduzida atividade física.
A diabetes é uma causa frequente de cegueira (retinopatia diabética), falência renal, enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC) e de amputações de membros inferiores (pé diabético). Em 2016 cerca de 1.6 milhões de mortes, em todo o mundo, foram causadas diretamente pela diabetes. Em Portugal no ano de 2018 a nefropatia diabética foi a patologia que predominou (31.5%) na colocação de doentes em diálise regular (hemodiálise e diálise peritoneal), seguida a grande distância pela nefrosclerose hipertensiva (13.9%).
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Epidemiologia da nefropatia diabética
Na diabetes mellitus do tipo 1 a microalbuminuria surge em 20-30% dos doentes após 15 anos de doença. Nestes doentes com microalbuminúria a instalação de nefropatia diabética pode atingir os 50%, sendo que a monitorização e terapêutica otimizada da diabetes pode reduzir esta incidência ou atrasá-la.
A incidência de doença renal crónica terminal (insuficiência renal com necessidade de diálise) após 30 anos de diabetes do tipo 1 já foi superior a 15%, mas atualmente é menor do que 9%. Mais de 90% dos doentes que iniciam diálise por nefropatia diabética têm diabetes tipo 2.
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Sinais e sintomas na nefropatia diabética
Microalbuminúria: eliminação urinária de 30 a 300 mg/dia de albumina. É o primeiro sinal de nefropatia diabética.
A nefropatia diabética engloba as seguintes apresentações e características:
- Albuminúria (> 300 mg/dia);
- Hipertensão arterial;
- Insuficiência renal crónica, progressiva.
Se um doente é diabético e apresenta insuficiência renal crónica, esta deve ser atribuída à diabetes se existir albuminúria superior a 300 mg/dia ou se apresentar em conjunto microalbuminúria, retinopatia diabética e ainda mais de 10 anos de evolução de diabetes mellitus tipo 1. Isto significa que um doente diabético pode ter outras patologias que condicionem insuficiência renal crónica de forma exclusiva (nefropatia isquémica, glomerulonefrite crónica, ou outras) ou em associação com a nefropatia diabética.
Estadiamento da nefropatia diabética
A evolução da nefropatia diabética segue cinco estádios:
- No estádio 1,inicial, a hiperglicemia provoca filtração glomerular elevada e hipertrofia renal. Nesta fase não existem ainda sinais clínicos ou biológicos de lesão renal;
- No estádio 2, com 2 a 5 anos de instalação da diabetes a nefropatia diabética mantém a ausência de sinais clínicos ou biológicos;
- No estádio 3, com 5 a 10 anos de diabetes, a nefropatia diabética em fase precoce traduz-se em microalbuminúria, hipertensão arterial e filtrado glomerular normal;
- No estádio 4, 10 a 20 anos de diabetes, já existe uma nefropatia diabética estabelecida. A albuminúria ultrapassa os 300 mg/dia, mantém-se ou agrava a hipertensão arterial, diminui o filtrado glomerular (insuficiência renal crónica em evolução e surgem alterações histológicas renais (expansão mesangial, espessamento da membrana basal glomerular e esclerose glomerular);
- Com mais de 20 anos de evolução da diabetes a nefropatia diabética pode evoluir para o seu estádio 5 de insuficiência renal crónica estádio 5. Os rins encontram-se atróficos por fibrose e há necessidade de uma terapêutica de substituição da função renal (hemodiálise, diálise peritoneal ou transplante renal que idealmente na diabetes mellitus tipo 1 seria simultâneo com transplante pancreático).
Fatores de risco na nefropatia diabética
São fatores de risco para o desenvolvimento e progressão da microalbuminúria:
- Hiperglicemia;
- Diabetes mellitus tipo 1 anterior aos 20 anos de idade;
- Tabagismo;
- Género masculino;
- Agumas etnias como os índios Pima e americanos de origem africana;
- Associação familiar;
- Fatores socioeconómicos.
São fatores de risco para a progressão da albuminúria até insuficiência renal estádio 5:
- No estádio 4 a progressão da insuficiência renal crónica pode atingir ritmo de perda de filtrado glomerular superior a 1 ml/minuto/mês;
- Os fatores citados no agravamento da microalbuminúria também afetam a progressão do estádio 4 mas com maior predominância destacam-se a hipertensão arterial não controlada, o nível de proteinúria e o controlo glicémico (HbA1c);
- Algumas intervenções terapêuticas podem atrasar ou até interromper a progressão da nefropatia diabética.
Diagnóstico da nefropatia diabética
O rastreio da nefropatia diabética é feito inicialmente com a utilização de fitas-teste urinárias para deteção de proteinuria a todos os doentes diabéticos. Se o teste for negativo deve ser pesquisada a microalbuminuria. Se for positivo deve ser colocada a hipótese de nefropatia diabética.
O diagnóstico de nefropatia diabética em doentes diabéticos tipo 1 implica a presença de proteinuria, retinopatia diabética e o diagnóstico de diabetes há mais de 10 anos. Na diabetes mellitus tipo 2 esse diagnóstico não necessita da presença de retinopatia diabética e acresce a dificuldade em determinar a data de início da diabetes.
O diagnóstico histológico através de biópsia renal geralmente não é necessário. Deve ser ponderado, no entanto, nas seguintes situações:
- Ausência de retinopatia diabética nos doentes com diabetes mellitus tipo 1;
- Alterações laboratoriais ou clínicas indicativas de outras patologias como gamapatia monoclonal, anticorpos lúpicos positivos, artrite, etc;
- Insuficiência renal com progressão muito rápida;
- Sedimento urinário com eritrocitúria e cilindros celulares;
- Proteinuria massiva ou de instalação rápida, indicando doenças glomerulares ou amiloidose;
- Agravamento da função renal com a introdução de fármacos inibidores do sistema renina-angiotensina ou de antagonistas do receptor da angiotensina II;
- Proteinuria se a diabetes do tipo 1 tiver sido diagnosticada há menos de 10 anos.
Nefropatia diabética tem cura?
A cura da nefropatia diabética não é possível. Como em muitas outras patologias ou situações o que não se pode curar deve ser prevenido. Nesse sentido, os doentes diabéticos devem controlar e tratar os fatores modificáveis, como a hipertensão arterial, a obesidade, a dislipidemia, abandonar hábitos tabágicos e controlar de forma intensiva a glicemia.
A utilização de fármacos como o atrasentan, antagonistas da endotelina, em diabéticos tipo 2 procurava a redução da albuminúria (“cura”) mas os ensaios clínicos não têm sido concluídos por elevada incidência de edema, insuficiência cardíaca e de eventos cardiovasculares.
Tratamento da nefropatia diabética
O tratamento da nefropatia diabética passa necessariamente pelo controlo glicémico nas suas fases iniciais, ainda sem microalbuminuria. Deve tentar-se a manutenção da HbA1c abaixo dos 6.5%.
A partir do estádio 3 da nefropatia diabética os objetivos primordiais são o controlo da tensão arterial e a redução da proteinuria. O controlo glicémico nestas fases de nefropatia diabética na diabetes do tipo 1 implica a utilização de esquemas intensivos de insulinoterapia. Na diabetes tipo 2 o controlo intensivo da glicemia não depende do fármaco utilizado pelo que não implica necessariamente a utilização de insulina, sendo possível com fármacos antidiabéticos orais.
O controlo da tensão arterial deve ter como objetivo sistólica abaixo de 130 e diastólica < 80 mmHg. Devem ser evitados valores de sistólica, inferiores a 110 mmHg. Os inibidores da enzima de conversão do angiotensinogénio ou os antagonistas do recetor da angiotensina II são os medicamentos preferenciais para esse controlo.
Na nefropatia diabética deve ser tentada a redução da proteinuria para valores inferiores a 500 mg/dia. Os fármacos referidos têm esse potencial. Para níveis de controlo tensional idêntico essas duas classes alcançam reduções de proteinuria mais acentuadas. Uma redução da ingestão dietética de sal para 5 gramas / dia potencia a sua ação anti-proteinurica.
Alimentação na nefropatia diabética
A restrição de proteínas na dieta (0.8 g/Kg/dia) tem sido recomendada, embora de forma pouco sustentada por estudos clínicos, na redução de proteinuria e na progressão da insuficiência renal crónica por nefropatia diabética.
A restrição de sal na dieta para 5 gramas/dia é importante no controlo da hipertensão arterial e reforça do efeito anti-proteinurico das classes de medicamentos que já referimos.
Também se recomenda a ingestão de cinco porções de fruta e de vegetais por dia.
A obesidade deve ser combatida com dieta e exercício físico apropriados. Por outro lado, deve ser combatida a desnutrição, evitando dietas hipocalóricas excessivas, desde que a obesidade esteja controlada.