A meditação é uma prática milenar que chegou até aos dias de hoje por uma razão, o seu valor na Saúde e Bem-Estar do Ser Humano. A meditação é uma prática que permite aceder e usar a nossa respiração para cultivar saúde e bem-estar. Ainda que a respiração seja uma função automática, como tantas outras (ex: digestão), ela é passível de ainda assim ser controlada por nós. Desta forma, a meditação usa a respiração como um controlo remoto que acede diretamente ao Sistema Nervoso Autónomo (SNA) permitindo restaurar a homeostasia perdida e recuperar o equilíbrio perfeito e inato que permite viver sem sofrimento.
Porquê usar a Meditação em Saúde?
Atualmente, com os problemas de stress, ansiedade e depressão, para além de questões físicas como dores crónicas e problemas de sono/insónias, a Meditação surge como uma ferramenta incrível que permite mudar a nossa perceção e a nossa experiência e também prevenir a doença cardiovascular (DCV), a doença que mais mata e mais morbilidade traz no mundo. É urgente divulgar informação, literacia em saúde, de modo que as pessoas possam cuidar-se mais e melhor, uma vez que sabemos que tudo depende dos nossos Estilos de Vida. 100% das doenças que mais matam são 80% evitáveis se soubermos como adotar e manter hábitos saudáveis.
Como o stress é prejudicial à nossa saúde e o poder das intervenções mente-corpo
Sendo o stress um problema de saúde real, e não uma palavra oca, intervenções que tenham como objetivo reduzir globalmente o stress ou promover ativamente uma saúde psicológica positiva (como por exemplo: afetos positivos, mindfulness e gratidão) em grupos mais alargados de pessoas com história ou fatores de risco de DCV, culminam numa melhoria dos resultados da condição cardíaca, melhorando a saúde mental e a escolha e adesão de comportamentos saudáveis. Estas intervenções, denominadas intervenções Mente-Corpo são baseadas em evidência científica, constituindo abordagens com boa relação custo-eficácia que servem o propósito de curar aspetos orgânicos da doença enquanto simultaneamente melhoram o
Bem-estar e a Qualidade de Vida. Entre as mais efetivas e aceites intervenções Mente-Corpo encontramos a Meditação, a Visualização guiada, a Hipnose clínica e o Biofeedback. As áreas onde estas reúnem mais evidência são precisamente na Reabilitação Cardíaca e na Reabilitação Oncológica (doenças crónicas com fundo inflamatório), a dor crónica e cefaleias. Estas intervenções, como no caso da Meditação, são muito bem toleradas pelos pacientes devendo ser consideradas como parte dos cuidados standard na Medicina Física e Reabilitação aquando da elaboração de um plano de reabilitação destes pacientes.
Objetivos da prática de meditação na reabilitação?
A meditação é uma intervenção de baixo risco, simples, com uma boa relação qualidade-preço, que promove a diminuição do stress, mais consciência (mindfulness – postura mental consciente) e melhores níveis de saúde psicológica.
A prática da meditação pode ser utilizada para: (1) aumentar a concentração, “Insight” ou Interocepção, ou consciência do momento presente; (2) promover o relaxamento; (3) reduzir o stress; (4) serenar e estabilizar a mente; (5) atingir um estado de consciência aumentada e (6) reduzir o sofrimento percebido e aumentar o sentimento de felicidade.
A meditação como parte de uma filosofia de vida
A filosofia e prática do yoga pertencentes à tradição Hindu, datam de tempos remotos pré-védicos com mais de 5.000 anos. Crê-se que a sua origem tenha tido lugar na civilização da região vale Indo (atualmente Paquistão). Os registos escritos mais antigos remontam a cerca de 200AC, com um texto clássico do yoga conhecido como os Yoga Sutras of Patanjali, um tratado com vários ensinamentos filosóficos de acordo com a filosofia Yógica. Contudo, só no final do século XIX, princípio do século XX, veio a ser introduzida no ocidente através do trabalho do Mestre Swami Vivekananda. E nos últimos dez a quinze anos, a filosofia prática do yoga tem vindo a ganhar um interesse crescente na comunidade médica científica devido ao reconhecimento da relação mente e corpo em várias patologias.
O Yoga é um sistema indiano de disciplina mente e corpo, que incorpora um conjunto de preceitos filosóficos e atitudes mentais, bem como uma prática física específica. Este caminho compreende um conjunto de práticas descritas em 8 elementos: Yamas (autocontenção de acordo com a ética Universal): Ahimsa ou não violência; Satya ou verdade; Asteya ou não roubar e Brahmacarya ou contenção ou celibato e Aparigraha ou ausência de ambição; e Nyamas (ética Individual a ser observada e cultivada): Sauca ou limpeza; Tapas ou austeridade; Svadhyaya ou estudo dos livros Espirituais; Ishvarapranidhana ou devoção, fé ou entrega; Asana (postura física); Pranayama (controlo da respiração); Pratyahara (recolhimento dos sentidos), Dharana (concentração), Dhyana (meditação) e Samadhi (estado absoluto de absorção meditativa).
A meditação (Dhyana) é uma importante componente da filosofia Yógica onde se deve ainda cultivar um sono cuidado e uma dieta moderada abstendo-se do consumo de tabaco e de álcool.
Tipos de Meditação
A meditação calma (Samatha Kammathana) é possível de se desenvolver com a ajuda da atenção focada e concentração (Dharana ou atenção focada num ponto) constituído as práticas hoje conhecidas como mindfulness, onde a meditação (Vipassana ou interocepção) pode ser considerada como uma forma de meditação consciente. Para aspirar a níveis mais profundos de meditação, é necessário que o praticante possa observar e suspender, pelo menos temporariamente, os cinco principais obstáculos (prazer sensual – dos órgãos dos sentidos, má vontade, letargia, inquietação, remorso e dúvida). A meditação introspetiva, por sua vez, é assente no discernimento e num sentimento elevado como o amor incondicional e gentileza (Mettabhava) ou meditação da compaixão (Tonglen ou Karuna) numa atitude de benevolência para consigo mesmo e para com todos os Seres do Universo. Esta prática permite romper com atitudes negativas habituais e permite experienciar aspetos do nosso Ser sobre uma nova luz.
Dentro da perspetiva Budista, o objetivo da meditação assente na respiração é, entre outros, oferecer à mente um objeto concreto de concentração e investigação, fácil de observar e permanentemente disponível; e utilizar essa atenção contínua na respiração permanentemente presente para melhorar a capacidade de estar concentrado no presente e beneficiar da atenção na respiração, ela própria intimamente relacionada com o funcionamento mental, físico e emocional, podendo-se de seguida cultivar esse estado de consciência em outros níveis mais complexos.
Existem vários tipos de Meditação, como por exemplo Samatha Meditation (Meditação da calma e da concentração), Vipassana Meditation (Insight – Meditação da Interocepção), Mindful Meditation (Meditação da atenção focada), Zen Meditation (ZaZen ou meditação sentada); Raja Yoga Meditation (Meditação do Yoga Real), Metta Meditation or Loving and Kindness Meditation (Meditação do Amor Incondicional e da Bondade) e Transcendental Meditation (Meditação Transcendental, uma das ténicas mais conhecida e estudada), Tonglen Meditation (Meditação da Compaixão)234,235 e Vedic Meditation (Mantras – Meditação assente na entoação de Mantras com diferentes vibrações (Tipos comuns de meditação in Levine et al.; 2012).
Estas meditações são importantes pelo contributo que têm na saúde geral das pessoas, tanto na prevenção como reabilitação, especialmente no que diz respeito às doenças crónicas não contagiosas das quais as DCV fazem parte.
A doença cardiovascular como principal causa de mortalidade no mundo
As DCV são a maior causa de morbilidade e mortalidade em todo o Mundo. A DCV é a primeira causa de morte entre os homens e mulheres europeus. É responsável por cerca de metade de todas as mortes ocorridas na Europa, causando todos os anos 3,9 milhões de mortes nos 52 Estados membros da Região Europeia da Organização Mundial de Saúde (OMS) e mais de 1,9 milhões de mortes na União Europeia (UE). A doença cardiovascular é também uma das principais causas de incapacidade e pior qualidade de vida. Só na Europa vivem cerca de 49 milhões de pessoas com doença cardiovascular.
É estimado que a DCV custe à UE mais de 210 mil milhões de euros por ano sendo, no total, cerca de 53% (€111 mil milhões) devido a custos com os cuidados de saúde, 26% (€54 mil milhões) à perda de produtividade e 21% (€45 mil milhões) aos cuidados informais com as pessoas com DCV (1).
Nos países desenvolvidos, a prevalência da DVC é de 1 a 2%, o que significa que mais de 10 milhões de pessoas na UE pode ser afetada.
O programa de reabilitação cardíaca (PRC) tem sido a proposta de reabilitação mais comumente associada aos doentes pós Enfarte do Miocárdio (EM), podendo agora ser adotada com segurança pelos doentes com insuficiência cardíaca (IC) também.
Nos Estados Unidos, na Europa e no mundo em geral a reabilitação cardíaca é uma indicação para o tratamento da DCV classificada como Classe I com nível de evidência A(,recomendação provada com bastante robustez científica).
Recentemente tem sido produzido todo um corpo de evidência científica que demonstra que os PRC enriquecidos com treinos e práticas para a gestão do stress podem providenciar uma melhoria adicional no que respeita à DCV. Existem também dados que suportam a importância de programas de baixo custo, como yoga ou meditação, com o objetivo de melhorar a saúde psicológica destes doentes, o que poderia melhorar substancialmente os PRCV standard já existentes.
A importância da coerência mente-coração
Concomitantemente, assistimos a um corpo crescente de dados relacionados com a ligação Mente-Corpo, onde ambos se influenciam mutuamente quer positivamente, quer negativamente, no que se repercute num impacto ao nível da saúde cardiovascular. Portanto, chegou o tempo em que os clínicos devem tomar em consideração esta interconexão e interdependência do corpo e do coração com mente, uma relação que pode ser denominada “conexão Mente-Coração-Corpo” (Levine NG_Circulation_2019).
Os programas de reabilitação cardíaca e o papel fundamental da gestão do stress
Existem evidências claras que os PRCV incrementados com estratégias de gestão do stress podem de facto proporcionar reduções adicionais dos eventos cardiovasculares major (Blumenthal JA_Circulation_2016). Similarmente, programas como Yoga (Prabhakaran D_JACC_2020; Kubzansky LD_JACC_2018; Levine GN_Circulation_2019) ou Meditação (Lavine_Scientific Statment from the AHA_JAHA_2017) podem melhorar a saúde psicológica, a qual vem potenciar a ação dos PRC convencionais (Lavie_JACC_2020).
Tal como Cícero escreveu séculos atrás, “É o exercício por si só que suporta o espírito e mantém o vigor da mente” (Lavie_JACC_2020).. Assim posso concluir que o “exercício” na forma de Yoga ou de exercício mental, tal como a Meditação e o
Mindfulness, podem ter benefícios similares tanto na prevenção primária como na prevenção secundária da doença cardiovascular
Intervenção psiconeuroimunulógica e os estilos de vida
Não obstante, o PRC é subutilizado por um lado, e carece de um curriculum próprio para o presente propósito psicoemocional por outro, verificando-se uma lacuna na gestão das necessidades psicossociais dos doentes cardíacos após o evento.
Dentro das respostas a estas necessidades psicossociais, temos a Meditação, especialmente em grupo, permitindo mudar a perceção e as crenças associadas ao evento, bem como diminuindo medos e receios que tão limitantes podem ser. A Meditação enquadra-se numa intervenção psiconeuroimunulógica trazendo benefícios tanto psicoemocionais como fisiológicos.
A diminuição dos níveis de cortisol, adrenalina e noradrenalina (hormonas relacionadas com o stress), encontra-se associada a intervenções como Yoga, Meditação, Tai-Chi, Mindfulness, bem como a outras práticas Espirituais e/ou Religiosas, entre outras. Mais, estas intervenções também se encontram associadas com a diminuição do processo inflamatório e dos níveis de citoquinas em doenças oncológicas, no HIV (imuno deficiência humana), na depressão, na ansiedade, nos distúrbios do sono, e claro, na doença cardiovascular e na fibromialgia. Todas as doenças cónicas com plano de fundo inflamatório podem beneficiar da meditação. Tanto dentro da neurofisiologia como da neuroanatomia, existe um grande corpo de evidência científica que sugere que a meditação pode ter efeitos duradouros no cérebro, os quais podem trazer resultados benéficos para o estado fisiológico basal, respostas fisiológicas e logo, o risco cardiovascular. Concretamente, e no que respeita à saúde cardiovascular, vários estudos demonstraram que a meditação está associada com a melhoria de indicies psicológicos e fisiológicos.
Proposta prática para quem está a iniciar – Meditação da Compaixão
Meditação da compaixão, gratidão, do amor e gentileza. Para tal a fundação da mesma assenta em quatro pilares fundamentais do Amor: Amor Incondicional (Metta); Apreciação/Gratidão e Alegria (Mudita); Compaixão (Karuna) e Equanimidade (Upekkha). Estes pilares no Budismo designam-se por Brahma Viharas, e constituem aquilo que se pode designar como emoções maduras capazes de encorajar a transcendência das limitações da existência Humana. E sendo as emoções algo que move os Seres Humanos desde tempos imemoriáveis, elas alimentam e catalisam o movimento e ação numa determinada direção. Que esta direção seja positiva para o próprio e para os outros. Com o objetivo de conscientemente treinar e desenvolver estas
Brahma Viharas, as sessões devem decorrer com base num script referencial:
- respirar conscientemente;
- tomar consciência do momento presente;
- trazer a atenção para si próprio, para o coração;
- realizar a respiração focada no coração;
- evocar um sentimento elevado de amor e gentileza ou de compaixão;
- deixar este sentimento crescer e expandir dentro do seu coração;
- enviar este sentimento elevado para si próprio;
- enviar este sentimento elevado para família e amigos;
- enviar este sentimento elevado para as pessoas que conhece, mas que não fazem parte do seu círculo mais privado ou intimo;
- enviar este sentimento elevado para a sua cidade, país, continente;
- enviar este sentimento elevado para todos os seres do Universo.
Antes e depois da meditação, deixo o convite para que possa criar a intenção de que todas as pessoas possam ser felizes e possam ser livres de qualquer tipo de sofrimento e das raízes do sofrimento. Para além desta prática, convido-vos ainda a
manter a prática diariamente, sozinhos ou com um áudio de suporte criado para o efeito de acordo com a sua preferência e o qual pode solicitar na sequência deste artigo.
Parte da relevância destas práticas assenta no fato da tradição Budista conceptualizar Mettabhavana e Karuna como um antídoto natural contra sentimentos prejudiciais de ódio, de raiva e de inveja por um lado e, por outro lado, por se saber que com a prática da meditação pode-se aumentar as forças de carácter, conscientizando o indivíduo para a sua capacidade individual de determinação e força de vontade. Concomitantemente, e de acordo com um estudo de Kovi et al. que vem consubstanciar estudos anteriores da mesma linha, verifica-se que esta força de caráter, ou virtudes presentes nas dez “perfeições” Budistas (características psicológicas positivas), podem ser alcançadas através da prática de meditação estando diretamente relacionadas com uma personalidade mais resiliente, com maior expressão do traço de extroversão e menor expressão do traço de neuroticismo ou agressão, o que promove resultados psicológicos positivos e com menos distúrbios.
Assim, para uma Vida mais calma, repleta de paz e saúde, fica o convite para iniciar a sua jornada na prática da Meditação. Não acredite apenas na teoria, pratique, experimente, teste, e deixe-me saber como foi!
Abraço de Coração,